23/11/16

"Construção louca"

 

Por volta dos 6 anos de idade, as crianças manifestam comportamentos que, ao contrário de se considerarem de indisciplina ou desorganização, são momentos de uma relação de qualidade com os pais ou avós.
O mais velho (6;7) que iniciou a escolaridade este ano, toma a iniciativa da brincadeira criando o que chama de “construção louca” ou seja, o local da brincadeira feito com todas as almofadas que se encontram na sala, uma “montanha” de almofadas, para onde irá saltar, de diversos sítios e com diversas “acrobacias”…
É uma actividade onde as habilidades psicomotoras são testadas e nos obriga a avisar “cuidado”, várias vezes, com os saltos mais ou menos arriscados que realiza, e com a dúvida se não será melhor acabar com aquela brincadeira. Claro que não mas deve dizer-se que é necessária alguma supervisão para não deixar objectos, como brinquedos inofensivos, que naquelas circunstâncias, se podem tornar perigosos que podem magoar quando salta para a "construção", como na foto.
A segurança da brincadeira torna-se mais sensível quando a irmã mais nova (2;3) também resolve imitar o irmão e entrar na brincadeira.

Aos seis anos de idade, a criança está em franco desenvolvimento físico, psicológico e emocional.
Um dos grandes psicólogos do desenvolvimento, Arnold Gesell *, continua a ser uma referência na descrição minuciosa do comportamento da criança
Gesell diz-nos que aos seis anos, submetida à mais leve tensão, a criança tende para comportamentos extremos, sempre que tenta servir-se dos seus actuais recursos.
As suas novas possibilidades de comportamento parecem surgir nela aos pares. Sente-se muitas vezes compelida a manifestar, primeiro, um dos extremos de dois comportamentos alternativos e depois logo a seguir o comportamento precisamente contrário (p. 97)

“A auto-activação dramática é simultaneamente um método de crescimento e de aprendizagem. É um mecanismo natural mediante o qual a criança organiza a sua maneira de sentir e de pensar. Mas a tarefa é grande demais para ela só. A escola é o instrumento cultural que deve ajudá-la a alargar e a apurar as suas autoprojecções dramáticas. Instintivamente a criança identifica-se com tudo o que acontece à volta dela e até com as figuras e as letras do seu livro e os números escritos no quadro. Assim como precisa de pegar num bloco e manuseá-lo para ficar a conhecer-lhe as propriedades, assim carece também de projectar as suas atitudes mentais e motoras em situações da vida. As emoções não são forças amorfas; são experiências esquematizadas. A função da escola é a de lhe fornecer experiências pessoais e culturais que organizem simultaneamente as emoções em desenvolvimento e as imagens intelectuais a elas associadas.” (p. 100)

“Os seis anos é uma idade activa, a criança encontra-se numa actividade quase constante, quer seja de pé quer sentada. Parece que anda a equilibrar conscientemente o corpo no espaço. Está em toda a parte - ou anda a trepar às árvores ou a arrastar-se de gatas por cima, por baixo e à roda das suas grandes construções de blocos ou das outras crianças. Parece que é toda ela braços e pernas, quando vai a dançar pela casa fora.” (p. 104)
A criança está a iniciar uma grande mudança cognitiva: o período das operações concretas (Piaget). O seu pensamento vai adquirir uma das ferramentas mais importantes de que poderá dispor – a reversibilidade. A lógica vai entrar na solução dos problemas da sua vida.
Estas actividades e comportamentos fazem parte desse desenvolvimento. Por isso, não faz sentido que sejam reprimidos e muito menos sujeitos a castigos, quando ficamos com a casa virada do avesso ou chegamos a casa cansados do trabalho.
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* Gesell, A., A criança dos 5 aos 10 anos, D. Quixote.

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