30/10/16

"Tratantes"

As inlicenciaturas estão novamente na agenda. Um currículo "bem feito", é apenas um meio para atingir um fim: um iceberg de privilégios a que se julgam com direito.
Não havia necessidade! Nada disso é necessário para ir para o governo. Nem licenciatura. Nem mérito. Nem responsabilidade. Nem ética. Ou se têm ou não se adquirem por um "currículo à maneira".
Em 05/07/12, quando se discutia e se comparava a trapalhada da licenciatura de Sócrates com a trapalhada da licenciatura de Relvas, coloquei aqui este texto d' As farpas* sobre "os privilégios que a chamada carreira política permite àqueles que a seguem".
Ontem como hoje, só mudaram as ostras...
"Entre os privilégios que ainda existem em Portugal – e que seria bom que acabassem, uma vez que o país, como bem manifestou ainda a última questão das ostras*, começa a odiar todo o privilégio - contam-se em primeira linha os privilégios que a chamada carreira política permite àqueles que a seguem.
Para servir tais privilégios, a opinião pública obteve meios de dividir uma coisa essencialmente indivisível e una –a probidade – em probidade política e probidade individual.
Uma vez admitida esta casuística um tanto imoral, o indivíduo considera-se irresponsável perante a sociedade por todas as ignomínias, por todas as baixezas, por todas as infâmias que comete na política. É vulgar dizer-se: “Velhaquíssimo em política, mas de resto um perfeito cavalheiro!”
Ora nós não queremos defender o privilégio para a engorda da ostra. Notamos só que a política assim considerada fica sendo igualmente - uma ostreira de tratantes."

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*Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão (Coord. M. Filomena Mónica), As Farpas, Principia, pags. 157 e 158.
**Refere-se ao marquês de Nisa que teve o monopólio da cultura das ostras, em viveiro, ao longo de parte da costa portuguesa.

Orçamento «tira do "lete" e põe no "caféi"» - parte 2

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Quando foi aprovado o 1º orçamento do "tempo novo"  e o inefável João Galamba sustentou: "Este é mesmo um Orçamento de um tempo novo, porque é o primeiro em muitos anos que cumpre integralmente todos os compromissos assumidos, tanto os internos, como os internacionais. É um Orçamento que procura um equilíbrio", ficámos numa enorme expectativa.
Fogo! Não fazia por menos: Cumpria integralmente todos os compromissos assumidos! Algo de verdadeiramente diferente ia acontecer aos portugueses.
Nada disso, apenas interessava, mais uma vez, chegar ao poder, nem que para isso tivesse sido necessário um compromisso obtuso mas estatisticamente pragmático e suficiente para governar. Novo ou velho é igual ao litro. Mostrou ser desconforme à realidade e as expectativas negativas  acabaram por ser confirmadas.
Podia até ser assim, podia tirar com uma mão e dar com a outra, podia até tirar com as duas mãos, como nos governos anteriores, Passos Coelho e Sócrates (o corte de salários foi no governo de Sócrates, as scuts pagas idem...) mas podiam deixar-se de tanta retórica e de nuances semânticas.
Foi para isto que deixou a Câmara de Lisboa, que tinha no coração, “O que sei é que tenho Lisboa no coração e sobre isso não tenho dúvidas”, não cumprindo o mandato até ao fim.
Foi para isto que tirou do caminho  Seguro, que até tinha algumas propostas de reformas para o país. 
Foi para isto que tendo perdido as eleições, engendrou uma "posição conjunta" que lhe permitiu sair "vencedor".
O orçamento de 2017, é a continuação, conforme diz o governo, do orçamento  de 2016, ou seja um orçamento «tira do "lete" e põe no "caféi"» - parte 2. Tira dos impostos directos e carrega nos indirectos que são mais injustos e selectivos: os que acumulam riqueza *, os que gostam de açúcar, os fumadores, os que andam de carro, etc., com uma estratégia mais descarada que está longe de ser nova, embora pareça, como por exemplo, o "sem-vergonhismo" do imposto Mortágua.
Entretanto, o pagamento das fantasias tem que ser feito (culpa da União Europeia, claro) e deita-se mão a tudo o que mexe na economia para haver dinheiro para as pagar. A política do "sem-vergonhismo"  que "espalha com as patas o que os outros juntam com o bico" é isso mesmo. Verdadeiramente  a cara dos descarados
É um orçamento que dá poucochinho com uma mão e tira com a outra aos que "acumulam"alguma coisa. *
É um orçamento de austeridade: "Baixou o IRS? Não. Baixou o IRC? Não. Baixou o IVA? Não. Baixou o IVA da eletricidade e do gás? Não. Baixou o IMI? Aumentou. Criou novos impostos? Sim. Manteve ou reforçou o aumento dos impostos verificado no ano anterior? Sim. Eliminou a sobretaxa como prometido? Não."
Ou o jogo do rapa, como diz António Barreto.
Mas parece que vão repor a justiça para os contribuintes que tiveram carreiras mais longas e portanto descontaram mais, lá para Agosto, por causa da informática.
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* "Quem paga impostos em Portugal?" Mário Amorim Lopes

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26/10/16

Construir emoções positivas


The Effect Of Positive Emotions On Our Health 

O nascimento de um filho muda a nossa vida. Termina ou muda rotinas do quotidiano e inicia outras a partir dessa altura, testa as nossas capacidades de atenção, de previsão, de sono, as nossas emoções e os seus limites. Ser mãe ou ser pai significa mudar a perspectiva de vida, os objectivos, as preocupações.
Todos conhecemos a importância dos primeiros anos para o desenvolvimento da criança e para a adaptação que pais e crianças estão a fazer. A criança nos 3 primeiros anos de vida vai adquirir competências fundamentais no campo cognitivo, motor, da linguagem, emocional e social. Este desenvolvimento/aprendizagem vai sendo realizado através da interacção da criança com os pais.a família é o centro onde se desenvolvem as emoções positivas.
O grande objectivo de todas estas aquisições é a diminuição da dependência nestas diversas áreas do desenvolvimento até atingir a autonomia.
Dispomos de informação que no tempo em que fomos pais não existia. Mas é na prática da relação que podemos verificar que esta informação é necessária mas não suficiente. As dificuldades da educação das crianças surgem principalmente no campo das emoções, onde nem tudo é natural/instintivo ou intuitivo.

Para M. Seligman (Felicidade autêntica), os princípios da paternidade que emergem da psicologia positiva são os seguintes:
- "A emoção positiva alarga e constrói os recursos intelectuais, sociais e físicos de que o seu filho vai precisar mais tarde na vida;
- Aumentar as emoções positivas no seu filho pode dar início a uma espiral ascendente de emoção positiva *;
- As características positivas que o seu filho revela são tão reais e autênticas como as suas características negativas."
Então devemos "construir características e emoções positivas nos nossos filhos em vez de, simplesmente, aliviar as emoções negativas e extinguir as características negativas." (p.266)
Como podemos educar emocionalmente as crianças? Seligman fala-nos de algumas técnicas para construir as emoções positivas: dormir com o bebé, jogos de sincronia, o não e o sim, louvor e castigo, a rivalidade entre irmãos, os miminhos ao deitar, fazer um acordo com o bebé, resoluções na família.
aqui falámos sobre a questão do dormir com o bebé, as vantagens e os inconvenientes. Vamos falar de jogos de sincronia.
Jogos de sincronia são jogos interactivos em que o bebé aprende que as acções são importantes, que se pode ter controlo sobre os resultados e há a contingência de poder controlar a situação.
Estes jogos são fáceis e as oportunidades de jogar imensas. Este exemplo de Seligman ilustra bem este tipo de jogos. Quando a criança bate na mesa nós batemos também, se bate três vezes batemos também 3 vezes e assim sucessivamente. (p. 269)
Os brinquedos nesta idade devem ser escolhidos pelo principio do jogo e da sincronia. Isto é escolher brinquedos que reagem ao que o bebé faz: a roca e brinquedos interactivos que reagem ao pressionar, bater, puxar ou gritar, como por exemplo, blocos empilháveis, livros e revistas que o bebé pode rasgar…
Comprei um livro muito bonito “Os animais da quinta” que ao abrir-se mostrava figuras a três dimensões. O que aconteceu, como seria de esperar, foi que a minha neta, com cerca de dois anos de idade, além de saber e dizer os nomes dos animais e como faz cada um deles, achou que a actividade de rasgar as figuras era ainda mais interessante. Como resultado, praticamente, todo o livro ficou reduzido a duas dimensões e, vá lá, ainda escapou uma ou outra figura.
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As minhas serigrafias: José Sousa Lara

 
 José Sousa Lara  - S/ Título
 
Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 210g; Dimensão da Mancha: 47x36 cm; Dimensão do Suporte: 70x50 cm
N.º de cores: 6
Data: 1988
Nº de Exemplar: 140/200

"Nasceu em Lisboa em 1955. Exerce atividade artística na área da pintura, cerâmica, ilustração e escultura. Como ilustrador, destaca-se o seu trabalho na Imprensa e na Câmara Municipal de Beja. No âmbito da escultura em espaços públicos trabalha materiais como o bronze, vidro serigrafado, betão e mosaico bizantino. Realizou trabalho de tapeçaria para a Fábrica de Tapeçarias de Portalegre e encontra-se representado em coleções particulares em Portugal e no Estrangeiro. Das exposições que realizou destaca-se a realizada em Nova Iorque, com João Cutileiro e na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa."

As minhas serigrafias: Leonor Serpa Branco

Leonor Serpa Branco - Memórias da Escrita

Técnica: Serigrafia
Suporte: Papel Fabriano D5 GF 300g; Dimensão da Mancha: 47x37,5 cm; Dimensão do Suporte: 70x50 cm
N.º de cores: 33
Data: 1998
Nº de Exemplar: 108/200

Biografia
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24/10/16

"A definição de um político"

Adolfo Suárez (25/9/1932 -23/3/2014) - Ávila

Foi artífice e motor da transição, mudou a História de Espanha...  venceu duas eleições, 1977 e 1979... Foi o primeiro chefe de Governo eleito democraticamente em Espanha.
... A transição vacilava quando o rei o escolheu para chefiar o Governo. Os sectores mais conservadores do regime não perdoaram a escolha de um político tão jovem, de apenas 43 anos, e com tão pouca experiência – suficiente, ainda assim, para a oposição desconfiar dele. Suárez já tinha sido governador civil, procurador nas Cortes por Ávila (onde nasceu), director da televisão pública e ministro secretário-geral do Movimento, o partido único; não poderia ser a liderar a transformação democrática do país. Não podia, mas foi...
Fez tudo isto sem rupturas, num processo para o qual não havia modelos, confiando na sua intuição e insistindo num discurso do entendimento. (Público)

H. S. Cabral, no capítulo "A definição de um político" (E nada o vento levou, 2014),  refere uma entrevista a Adolfo Suárez, em 1989, em que disse "que um político não pode ser homem frio. A sua primeira obrigação é a de se não converter em autómato. Terá sempre de se lembrar que cada uma das suas decisões afecta seres humanos. A uns beneficia e a outros prejudica. Por isso tem a obrigação de recordar sempre os prejudicados". (pag 207)

Em termos estruturais, esta será uma legislatura perdida e, mais tarde ou mais cedo, ps, psd e cds terão que se entender no essencial da educação, saúde, justiça...
Populismo é uma coisa, "recordar sempre os prejudicados" outra bem diferente.

O pior perigo


Estas desenfreadas e esfarrapadas justificações das medidas políticas que vão desde "perder a vergonha" para sacar a quem "acumula", à justificação de que "quem não deve não teme" para espiolhar  a vida dos outros que significa, em resumo, que tudo é justificável e que os fins justificam os meios, colide com a tentativa de libertação de uma doutrinação que vem das universidades, desde 1974, e que ainda mantém o mesmo discurso que tantas vezes ouvi na cantina velha aos representantes da dita esquerda que era quem estava "autorizada" a discursar.
A "teoria" do sem-vergonhismo ignora realmente muita coisa.

Ortega y Gasset no capítulo sobre  o pior perigo: a estatização de toda a vida das pessoas.
"Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização: a estatização da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda espontaneidade social pelo Estado; quer dizer, a anulação da espontaneidade histórica, que em definitivo sustenta, nutre e impele os destinos humanos. Quando a massa sente uma desventura, ou simplesmente algum forte apetite, é uma grande tentação para ela essa permanente e segura possibilidade de conseguir tudo — sem esforço, luta, dúvida nem risco — apenas ao premir a mola e fazer funcionar a portentosa máquina. A massa diz a si mesma: "o Estado sou eu", o que é um perfeito erro."
Nada de novo, portanto desde 1937. Há um e-book aqui.

" A paixão doentia pelo Estado é um caso patológico da politologia portuguesa, para quem os direitos civis são um óbice, um obstáculo e – crescentemente – uma ninharia que põe em causa os interesses absolutos e intocáveis do Estado. Uma sociedade civil fraca, sem opinião, invejosa, ressentida, pateta, rendida ao argumento de «quem não deve não teme», aceita tudo – o poder discricionário do Estado, a inversão do ónus da prova, a violação da privacidade, sucessivos e injustificados agravamentos fiscais, a má gestão da coisa pública, o assalto aos rendimentos em nome dos interesses de um Estado mal gerido e gastador, investimentos mal estudados e mal realizados, tudo. E vota em conformidade, vota por simpatia, porque é mais fácil, porque é mais facilmente convencida e ludibriada – e porque quer ser convencida e ludibriada. Para esta sociedade civil delapidada e privada de si mesma, ressentida e silenciosa, é normal que os constitucionalistas forneçam pareceres à medida do Estado. Nada a prende à Constituição, que é uma espécie de disco voador."

J. Rentes de Carvalho traz-nos uma página de Eça de Queiroz que vai no mesmo sentido.

23/10/16

Eco e as teses


Umberto Eco autor d' O nome da Rosa  mas também de outras coisas mais incipientes, ou talvez não, começou por me ser muito útil com o seu livro Como se faz uma tese. O que à partida parecia ser mais um livro chato sobre metodologia do trabalho científico acabou por ser bem divertido. O que prova, se ainda não soubéssemos, que o processo ensino-aprendizagem não tem que ser chato.
Depois passou a fazer parte dos livros recomendados aos meus alunos.
Em época em que se fazem trabalhos e teses pouco ou nada originais, como por exemplo aqui, ou aqui, e até se escrevem livros em que se duvida de quem é o autor, ou se conclui que o autor  é outro, seria bom ler U. Eco. 
Eco é, aliás, de uma preciosa ajuda estratégica para  o logro de quem "escreve" estas teses. Por exemplo, será sempre menos arriscado "escolher" uma tese de universidades da zona do Porto no caso de querer apresentá-la em universidades da zona de Lisboa e vice-versa. É improvável que algum professor descubra facilmente a astúcia.
O que Eco provavelmente sabia mas certamente não acreditava, como qualquer mortal, era a possibilidade de alguém escrever uma tese por avença ou, como diz J. D. Quintela, "O Farinho ampara".

Hoje apetece-me ouvir: Madeleine Peyroux

Madeleine Peyroux - Instead (Bare bones)
"Ao invés de sentir frio, deixe a luz do sol no seu coração."

Instead of feelin' bad, be glad you've got somewhere to go
Instead of feelin' sad, be happy you're not all alone
Instead of feelin' low, get high on everything that you love
Instead of wastin' time, feel good 'bout what you're dreamin' of.
...
Ao invés de sentir-se mal, esteja feliz por ter pra onde ir
Ao invés de sentir-se triste, fique feliz por não estar sozinho
Ao invés de sentir-se pra baixo, sinta-se bem em tudo o que gosta
Ao invés de desperdiçar tempo, sinta-se bem em relação ao que você está sonhando
...
Instead of losin' hope, touch up the things that feel out of whack
Instead of bein' old, be young because you know you are
Instead of feelin' cold, let sunshine into your heart.
...
Ao invés de perder as esperanças, corrija as coisas que parecem fora de sintonia
Ao invés de ser velho, seja jovem porque sabe que é
Ao invés de sentir frio, deixe a luz do sol no seu coração.
...

(Texto completo)

19/10/16

Silêncio e fala

José Tolentino Mendonça escreveu "o inapagável som do silêncio" (A Revista do Expresso, 3/9/2016) a partir da canção de Paul Simon “o som do silêncio” ela própria, inicialmente, votada ao silêncio, e que uma nova versão com os músicos de Bob Dylan deram origem ao sucesso que conhecemos.
"De facto, o mundo, este mundo que nos habituamos a identificar como estridente caixa sonora que nunca dorme, é atravessado por uma corrente de silêncios à espera de serem escutados. Há uma malha delicadíssima que segura silêncios milenares e recentes, silêncios indefinidos das profundezas e silêncios cuja morfologia se deteta na pele, silêncios siderais que abrem para o enigma dos grandes espaços e silêncios que costuram o mistério e a biografia do pequeno, do parcelar, do pessoal."

A nossa vida familiar e social é pontuada por crises normais e também por outras imprevisíveis. São crises de felicidade e crises de tristeza e luto. É nessas crises que se faz sentir com mais ou menos impacto o "som do silêncio".

Helena Sacadura Cabral em E nada o vento levou, conta algumas histórias de vida que são sublinhadas pelo silêncio:
1) o silêncio dentro de nós como, por exemplo, o silêncio no divórcio e separação:

"Nunca tinha reparado que no silêncio havia som, até que numa determinada noite percebi que ele existia mesmo. Tinha 30 anos e o meu marido acabava de levar os últimos livros da nossa casa. Tudo o resto já saíra... Passaram 50 anos e eu nunca mais esqueci o som do silêncio. Em especial daquele que veio, talvez, quem sabe?, de dentro de mim!" (p. 18)

2) e também a necessidade de silêncio dentro de nós que pode vir da meditação, da contemplação ou até do desejo pontual de vazio” (p. 47)

3) o silêncio que constrói o olhar: "Aprendemos na infância a ver com os olhos. Depois, à medida que vamos crescendo, vem a aprendizagem do olhar,que se faz com a nossa família, com os amigos e com aqueles que cruzam a nossa vida. Este olhar formata-se também nas ideologias que professamos - religiosas, sociais ou políticas - e que o irão inevitavelmente «condicionar»... O meu olhar, como o de outros, também se construiu através das artes, dos livros e do silêncio. Não se discute a importância dos dois primeiros. Mas dá-se menos valor ao silêncio, quando afinal, em muitos casos, os ultrapassa. É nesse silêncio que despojamos a vista de tudo o que é secundário e que conseguimos usá-la como se voltássemos a ser crianças." (p. 44)
4) o silêncio das palavras: "Todos os conhecemos, esses silêncios que falam encerrados num olhar, num gesto de ternura, numa mão que limpa uma lágrima, num abraço forte que se dá ou recebe e que mais não são do que formas de dizer a uma pessoa que a amamos e que não queremos vê-la sofrer. Ou, também, que ficamos felizes com a sua felicidade.
Sendo a palavra o meio de comunicar por excelência, o facto é que este tipo de gestos contém, dentro de si um mundo de silêncios que se sobrepõe a tudo o que poderia ser dito por palavras."(p. 95)

Mas há outros silêncios na vida familiar, originados ou acompanhados por fortes emoções como a vingança e a manipulação. Há pessoas que usam o silêncio para se vingarem ou para castigarem o marido, a esposa, os filhos.
O silêncio do casal passa muitas vezes pela prova do silêncio que começa com o que se chama “prender o burro” e acaba em comportamentos sado-masoquistas. Eu sofro em silêncio mas também te faço sofrer a ti.
É um jogo (Eric Berne) em que se procura permanecer em silêncio para ver quem cede primeiro e fala, como se o primeiro a ceder  fosse o derrotado.
Há silêncios tão complicados... quando resultam da vergonha e do medo da revelação de alguns comportamentos e acontecimentos problemáticos: o silêncio que envolve a violência doméstica, o abuso sexual e o silêncio da violência contra pessoas mais frágeis como as crianças e os idosos.
Os silêncios que violam os direitos humanos como certas tradições e os casamentos forçados ou as adopções forçadas. Estes silêncios não falam apenas, são silêncios que gritam. É preciso que alguém oiça. 

Voltando a Tolentino Mendonça: “O que ouvimos não esgota a extensão de tudo aquilo que neste momento nos está a ser dito. E pode mesmo acontecer que a parte mais significativa da conversa que cada um de nós mantém com a vida seja, neste momento, aquela que fica por escutar.”

15/10/16

Silêncio e fala


Há muitas formas de silêncio, de silenciar e de auto-silenciar. A espiral do silêncio é uma dessas formas.
A espiral do silêncio "é uma teoria da ciência política e comunicação de massa"  proposta, em 1977, pela cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann.
"Neste modelo de opinião pública, a ideia central é que os indivíduos omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento. Os agentes sociais analisam o ambiente ao seu redor, e ao identificar que pertencem à minoria, preferem se resguardar para evitar impasses. Esse comportamento gera uma tendência progressiva ao silêncio denominado espiral, visto que ao não expôr essa ideia, o indivíduo automaticamente compactua com a maioria, assim, outras pessoas que compartilham dessa opinião também não a verbalizam. Quanto menor o grupo que assume abertamente a opinião divergente, maior o ônus social em expressá-la." (Wikipedia)

Uma boa análise do que é a espiral do silêncio é feita por Olavo de Carvalho (ou aqui) que com propriedade diz que "da internet para cima reina o silêncio" e de como certas organizações como o "foro de S. Paulo" faz parte dessa espiral do silêncio mesmo que mude de nome: "o foro de S. Paulo muda de nome como a KGB mudou de nome mais de 20 vezes", sempre para pior. E também de como quebrar a espiral do silêncio.

Outra forma de silenciar é o apolitismo.  Francis Wolff  "alertou para o seguinte paradoxo: assim que o povo oprimido por um tirano conquista a liberdade, usa-a para não se envolver na política.
O professor distinguiu o egoísmo do individualismo, salientando que este é um produto da sociedade democrática que favorece a “subjetivização” dos indivíduos e os permite realizar-se sem relação de dependência à comunidade. Para ele, isso faz com que as pessoas se excluam da vida pública. Como “não há vácuos de poder”, segundo Wolff, os cidadãos entregam seu poder de decisão a políticos profissionais, o que gera incompreensão e antipatia à classe política e acaba favorecendo os corruptos."


13/10/16

Silêncio e fala




O silêncio e a sua gestão são elementos da comunicação e por isso mesmo podemos dizer que o silêncio fala através dos seus significados. "É impossível não comunicar” é um dos princípios da Escola de Palo Alto. E sabemos por experiência própria que é assim, como refere uma canção de P. Simon e  A. Garfunkel “o som do silêncio” ("sound of silence"): "As Pessoas conversam sem falar/As pessoas ouvem sem escutar/Escrevem canções que vozes jamais compartilham/E ninguém ousou/ Perturbar o som do silêncio... E o sinal disse: As palavras dos profetas estão escritas nas paredes do metro/ E nas salas das habitações colectivas/ E sussurraram no som do silêncio "
Se o silêncio tem som, como diz a canção, então o silêncio não é silêncio, é comunicação e tem muitos significados. O silêncio pode ser confortável e desconfortável, suportável ou insuportável. Há um silêncio virtuoso e um silêncio vicioso. Há um silêncio saudável e um silêncio doentio.
Assim, o silêncio pode significar prudência, cautela, respeito como o silêncio da pessoa que é discreta, humilde e até hábil quando sabe o que deve dizer, como deve dizer e quando deve dizer. Ser reservado, por exemplo, pode significar que não se pode nem deve dizer tudo o que se pensa para não magoarmos o outro.
O silêncio é o campo onde se expressam as emoções de forma mais autêntica e intensa através da comunicação não verbal: o gesto, a expressão do rosto, o corpo, a alegria, as preocupações, o sofrimento...”. 
O silêncio ajuda-nos a ponderar, a reflectir, a entrar em contacto com os desejos mais profundos do coração humano e do conhecimento da nossa mente. É o silêncio do sábio. 

Mas há um silêncio vicioso, violento e devastador.
O silêncio que encobre e mente, como também diz outra canção “o silêncio é de ouro" ("silence is golden"), mas os meus olhos vêem… ele enganou-a tão bem, ela será a última a saber”. É a contradição entre o não audível, um silêncio dourado, e a desocultação que os olhos me dão.
O silêncio também pode ser censura, rejeição e provoca preconceitos sociais e estereótipos.
O silêncio pode ser sintoma de uma perturbação do carácter (o que anda sempre aos segredinhos, o hipócrita, o velhaco…).”
O silêncio do psicopata e dos poderosos totalitários, tiranos e empedernidos emocionalmente, insensíveis à dor e ao sofrimento do outro. O que se passa em Aleppo, na Síria, é a insensibilidade dos poderosos.
O silêncio das associações políticas e das associações secretas. É um silêncio que se compra ou que se cumpre por força da submissão à organização e à ideologia.
Os sindicatos deixam de fazer manifestações de rua e as reivindicações são loas ao poder. Os sindicatos servem para aprovar as políticas do poder a que eles também pertencem e para sublinhar as grandes realizações sociais do poder. O desemprego dos professores pode esperar, as condições das escolas podem esperar, a saúde das pessoas já não é tão urgente, a melhoria das condições de vida passa a ser uma grande conquista deles.
O silêncio fala quando se é cúmplice. Ficou famosa a frase de Martin Luther King: "o que preocupa não é nem o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem carácter, dos sem ética… o que me preocupa é o silêncio dos bons".

07/10/16

Fantasia


No tempo de Cavaco havia "forças de bloqueio", no de Guterres havia "coligações negativas". Na Grécia, houve "tróica" mas com Tsipras/Varoufakis passou a haver "instituições". Em Portugal, de vez em quando havia um "perdão fiscal", com Costa/Centeno/Andrade passou a haver "PERES" (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado) que, dizem eles, não é um perdão fiscal.
Claro! Porque desde que "as vacas começaram a voar" não há "incoerência" nenhuma, passou a haver "versatilidade de opiniões". Até onde os levará a fantasia?

06/10/16

Escolas de pequena dimensão


Desde que começou a política de encerrar as escolas de pequena dimensão (1) que, contra essa política, tenho defendido a continuação do seu funcionamento.
Essa política levou, inicialmente, a encerrar as escolas mais pequenas com menos de 10 alunos para, logo a seguir, passarem a encerrar as escolas com menos de 21 alunos e, espantoso, até com mais de 21 alunos, com base em critérios arbitrários do tipo os alunos aprendem melhor em "bons" equipamentos acabados de construir, normalmente nas sedes de concelho.
A maioria das escolas que encerraram fazem parte do mundo rural. Em consequência da desertificação humana que tem vindo a acontecer no interior do pais mas também por uma visão estratégica errada da educação. Não é, aliás, uma política exclusiva de Portugal.
Esta política coincidiu com a criação de agrupamentos de escolas e depois de mega-agrupamentos que  reúnem os alunos de uma determinada zona geográfica, como o agrupamento de escolas de Alcobaça e agrupamento de escolas de Belas-Queluz, em Sintra, com mais de 4000 alunos.

Os argumentos ocultos para fechar escolas são, essencialmente, de ordem economicista mas os argumentos expressos para fechar escolas são a socialização das crianças e melhores condições de instalações e equipamentos pedagógicos.
As crianças com problemas de socialização estarão em todo o tipo de escolas e não se devem à ruralidade. Nem as escolas "douradas" são mais eficazes do que as escolas com instalações mais modestas e sem luxos.
Provam isso os resultados dos exames, em que escolas rurais e de pequena dimensão atingem posições cimeiras nos rankings de resultados e  a integração e o êxito dos alunos nos níveis de ensino seguinte.
Os factores determinantes para o sucesso dos alunos não são certamente as instalações mas antes as capacidades dos alunos e a qualidade dos professores que poderão ser factores mais influentes do que os factores externos (2). O afastamento dos pais durante o dia por longos períodos, como as distâncias a percorrer superiores muitas vezes a 30 quilómetros (3) e sem condições, obrigando a levantar muito cedo e a regressar muito tarde, esses sim, são factores bem mais penalizadores do que as modestas instalações.
Devia ainda ser respeitada a vontade dos pais que também são cidadãos e contribuintes e querem, certamente, uma educação de qualidade para os filhos e dos autarcas que em alguns casos têm tido um comportamento merecedor de reconhecimento por se terem colocado do lado dos pais e acima de tudo do lado da educação das crianças.

O caso de Monsanto (4) parece-me merecer particular interesse por manifestar que os autarcas podem contribuir para o não encerramento destas escolas. Infelizmente, há outros que fizeram lindos e "dourados" parques ou centros escolares onde juntaram todos os alunos do concelho.
Em Monsanto, com o actual autarca de Idanha-a-Nova não foi assim (5). Aliás, como tem sido feito na autarquia de Castelo Branco com o actual presidente, e com o anterior, que apenas encerraram escolas quando já não era possível criar uma turma nessas escolas.
Não sei se a desertificação do interior começa com o enceramento das escolas mas creio que fechar escolas não significa desenvolvimento nem valorização do interior.
O que não deixa de ser paradoxal é que este governo tenha criado uma Unidade de Missão para a Valorização do Interior, "com o objectivo de promover a atracção e fixação de pessoas nestas regiões, a cooperação transfronteiriça e o intercâmbio de conhecimento aplicado entre centros de investigação e desenvolvimento e as comunidades rurais".
Era bom que governo e Unidade de Missão para Valorização do Interior se entendessem. (6)

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(1) "Desde 2002, deixaram de funcionar mais de 6500 antigas escolas primárias. A reorganização arrancou no Governo liderado por Durão Barroso (PSD-CDS) e incidiu, sobretudo, sobre as regiões norte e interior do país. No período José Sócrates (PS), com Maria de Lurdes Rodrigues como ministra, foram encerradas mais de 2500 e com Isabel Alçada outras 700 escolas. Nos dois primeiros anos de Governo Passos Coelho (PSD-CDS), o ministério da Educação, Nuno Crato, encerrou mais de 500 escolas."
(Ana Cristina Pereira, "Ministério da Educação fecha 311 escolas do 1.º ciclo no próximo ano lectivo, Público, 21/06/2014 )
(2) Christine Leroy, "L'effet-maître, l'effet-classe, l'effet-établissement", Sciences humaines, nº 285, pags 40-41.
(3) Mais relevante do que a distância é o tempo que demora o percurso.
(6) Neste momento, não sei sequer se a educação faz parte das 155 medidas anunciadas!

02/10/16

Flashback

Entras no centro cultural e de repente todo um programa te faz viver. Lembras-te ? Uma espécie de  Recantiga, a música, os locais, estivemos ali ? O coro ACRA, ali estavas tu com tantos amigos, tão novos, sou mesmo eu ? Era um rapaz tão jeitoso.
Não. Lembras-te antes disso? Quando os teus olhos batiam nos dela e lhe davas a mão numa dança de roda, éramos tantos...
Eu sei, de manhã tu ias para a tua escola e eu ia para a minha mas depois da escola tínhamos todo o tempo do mundo para brincar, jogar e ...a música estava lá sempre, e a ironia e o sarcasmo: "estrada nova,estrada nova, começada em Janeiro, ela não foi acabada pela falta de dinheiro".
Era a música a encontrar-nos e não sabíamos onde acabava e começava este gostar de estar contigo.
Na rua, fazíamos as nossas actividades extra-escolares e éramos tão felizes. Não, não  era uma grande chatice porque nunca nos chegava o tempo para jogar... até que a nossa mãe nos chamava para voltarmos para casa  e depois povoávamos os sonhos das brincadeiras, de sentidos, de namoros infantis, sempre com a música de fundo e dos malvados que corriam atrás de nós e nos queriam apanhar. "Ai, ai, ai, senhor Alfredo" e os perigos deste mundo, "não me bata o pé que eu não lhe tenho medo". Mas tinha. Das trovoadas, "bendito e louvado seja",  e quando se ouvia a "encomendação das almas" na torre da igreja. Era quando tu me vinhas salvar e trazias essa música dos teus olhos doces. Depois passei a sentir que precisava sempre de ti, "...põe-te amor onde t'eu veja, não me faças revirar".
Não. Lembras-te antes disso? Não sei, foi há tanto tempo mas sei que havia música. Era mais do pai, acho eu, que pensava que era um bom tenor e cantava a "igreja de santa cruz feita de pedra morena", e  havia os versos da avó Ana, poesia que ela sabia ou inventava. Havia canções de embalar "...vai-te côca do telhado"... Mas não me lembro.
Está na hora de entrar. Creio que não é apenas um concerto que vai acontecer mas um musical da nossa vida colectiva. Sentia a calma de um regresso aonde fui feliz. "Eras tu, até que enfim,  a voltar p'ra mim".



01/10/16

Do melhor que há no mundo

Johannes Brahms - Op.49 No.4 Wiegenlied (Lullaby)


True Love (de  Cole Porter) - George Harrison - 1976 - Thirty three & 1/3.


Apetece-me ouvir, neste dia mundial da música, músicos que me ligam a tudo o que o mundo tem de melhor.