30/06/16

Foi por ela

 
Foi  por ela - Fausto

O resultado do referendo na Grã-Bertanha "disse" que a maioria dos cidadãos britânicos decidiram sair da União Europeia. Dito de outro modo, este resultado mostrou, de facto, que a maioria dos britânicos não está interessada num futuro comum.  Mais uma vez se prova que a falar nos desentendemos e voltamos aos tempos de Yalta e à primazia dos interesses, como se dizia aqui.
Seja qual a for a opinião que cada um tem sobre este acontecimento, uma coisa é certa, como escreve António Barreto:
"Não há quem possa compensar o que desaparece. Ninguém, nenhum país poderá preencher o vazio agora criado. O que a União europeia perdeu, de facto, não tem substituição. Perdeu uma das nações mais antigas e influentes do mundo e da história. Talvez o povo com o maior apego à liberdade que se possa imaginar. A mais antiga e experiente democracia do mundo. O único país que não conheceu, nos últimos séculos, a ditadura. A mais consolidada tradição de autonomia individual perante o Estado…"
Como referimos, Dorothy Tennov propõe três etapas para construção do futuro comum: a fusão, a construção do ninho, a negociação das margens respectivas de liberdade e intimidade individual. 
Como acontece no amor, parece-me que também as sociedades que querem construir um futuro comum vão encontrando maiores dificuldades nas etapas dessa construção. Certamente, a negociação das margens de liberdade será sempre difícil de concretizar à vontade de cada um. Mas esse é o caminho do amor.

Inicialmente, parecia uma coisa natural. Para quem viajava pela Europa ou ia apenas ali a Espanha. Fazia sentido que houvesse comunicações, liberdade de circulação, relações comerciais comuns, até uma moeda comum. 
Nesta fase de fusão não nos demos conta de que o processo era pouco democrático, mas era preciso entrar e assim foi, com pompa e circunstância, como nas grandes cerimónias. Lá estão as placas comemorativas na calçada em frente aos Jerónimos, em Lisboa. 
Foi por ela, uma canção de Fausto, exprime bem esta fase da fusão. 
“Foi por ela que amanhã me vou embora
ontem mesmo hoje e sempre ainda agora
sempre o mesmo em frente ao mar também me cansa
diz Madrid, Paris, Bruxelas quem me alcança
em Lisboa fica o Tejo a ver navios
dos rossios de guitarras à janela
foi por ela que eu já danço a valsa em pontas
que eu passei das minhas contas foi por ela 
Esta fase, a fusão, fica bem expressa nos últimos versos:
“foi por ela que eu deixei de ser quem era
sem saber o que me espera foi por ela” 
Pouco importava o desconhecido que, em todo o caso, parecia um mar de rosas. Na segunda fase, a construção do ninho, "devem assumir-se novos compromissos para garantir infraestruturas adequadas à vida em comum e se e necessário muda-se de local de trabalho, de lugar geográfico. O amor expressa-se menos com beijos e carícias e mais com cuidados, trabalho e contratos que cimentam uma plataforma comum sustentável." (E. Punset)
Os erros cometidos nesta fase têm consequências a longo prazo e foram talvez esses erros que fizeram com que seja tão difícil estabelecer os limites da terceira fase: a delimitação negociada dos campos respectivos de liberdade. 
Depressa nos esquecemos o que de bom se fez nos países após a adesão à União Europeia, os aspectos negativos tem sempre outro impacto . E são esses que sobressaem. 
É nessa perspectiva que estamos.
Mas mesmo com todos os defeitos desta União Europeia, este é um dos melhores sítios para se poder viver com dignidade, liberdade, democracia e justiça. 
Estamos quase a ir de férias esperemos que tudo fique mais claro com o repouso que merecemos. Boas férias. 

24/06/16

Yalta em alta: linguagem e emoções


Costumamos dizer que é a falar que a gente se entende. No entanto, o que acontece é, exactamente, o contrário: a linguagem serve para nos confundirmos. A linguagem é muitas vezes perversa no sentido de que corrompe, desmoraliza, deprava, ou seja, tira proveito do outro, manipulando-o, desmoralizando-o. Os perversos não torturam necessariamente as suas vítimas de forma física, mas subjugam-nas à sua visão de mundo. Cometem abusos de poder, coerção moral, chantagens e extorsões com muita facilidade.
Uma das circunstâncias em que esta linguagem é mais usada é nos encontros entre países para encontrarem a paz e acabam fazendo a guerra.
A conferência de Yalta, em 1945, foi um diálogo de surdos que, no entanto mudou o mundo, de acordo com as vantagens que cada país procurava tirar ou manter em relação aos outros. No fundo o que importava era defender os próprios interesses.
Foi assim que surgiu a guerra fria, o muro de Berlim e a corrida aos armamentos. Caiu o muro, porém a corrida armamentista mantém-se em alta.
O que se passa na Síria é bem a prova do que se passa nesse campo. Os vários países que aí intervêm para acabar com a guerra nem sequer são capazes de se entenderem quanto à questão essencial de pôr termo a esta catástrofe humanitária, a maior a seguir à segunda guerra mundial. Cada um procura defender os seus interesses.
Aliás, nas Nações Unidas e Conselho de Segurança, é difícil chegar a qualquer compromisso, por haver um real diálogo de surdos. Então, a linguagem não serve para as pessoas se entenderem 
Na vida quotidiana parece haver dificuldade em estabelecer um compromisso e isso é tanto mais evidente quanto a sociedade de consumo oferece novidades. O problema está na capacidade de atração da novidade. É estranho o que fazemos por um novo telemóvel, por uma tv último modelo...
A incessante novidade obriga-nos, constantemente, a alterar a ordem de prioridades da nossa vida.
A dificuldade está em fazer algum sacrifício, actualmente, para ter uma vida melhor no futuro.
E sabemos quais foram e são as consequências da opção pela escolha permanente da novidade: o endividamento das famílias e das empresas junto dos bancos, dos bancos junto de outros bancos, o crédito malparado, as bolhas imobiliárias, a corrupção...
A nível social e familiar a incapacidade para estabelecer compromissos mais ou menos duráveis mostra a perversidade da linguagem. A linguagem é traiçoeira. Seja escrito ou oral, o compromisso não tem qualquer validade passados uns momentos, umas horas, uns dias.
O que se passa com as famílias é a dificuldade em estabelecer prioridades face à forte atracção da novidade.
Estudos (Gottman) mostram que para um casamento durar, a relação entre as emoções positivas e negativas num dado encontro tem de ser pelo menos de 5 para 1. As emoções negativas mais significativas são: postura defensiva, reserva, censura e desprezo.
O desprezo é o contrário do amor. Quando ele domina a relação de casal significa que a relação chegou ao fim.
O que faz falta ao nosso mundo e à nossa vida são competências sociais e emocionais que relevam o amor e preterem o desprezo. *
___________________

Texto inspirado no cap. 8, "Construir un futuro común" de El viaje al amor, de Eduardo Punset.
O resultado do referendo na GB sobre sair/ficar na União Europeia mostrou, de facto, que a maioria não está interessada num futuro comum.
Mais uma vez se prova que a falar nos desentendemos e voltamos aos tempos de Yalta e à primazia dos interesses.
Dorothy Tennov, citada por EP, propõe três etapas para construção do futuro comum: a fusão, a construção do ninho, a negociação das margens respectivas de liberdade e intimidade individual.
Como acontece no amor, parece-me que também as sociedades que querem construir um futuro comum vão encontrando maiores dificuldades nas etapas dessa construção. Certamente, a negociação das margens de liberdade será sempre difícil de concretizar à vontade de cada um. Mas esse é o caminho do amor.

19/06/16

Saut du Lapin

Amadeo de Souza-Cardoso, Saut du Lapin (Salto do coelho), 1911, óleo sobre tela



Noticia o Expresso que "O Presidente ficou surpreendido, não esperava o gesto, mas Costa pediu-lhe para abrir: dentro do envelope, um postal com uma réplica do célebre quadro de Souza-Cardoso “O Salto do Coelho”. “Há uns que saltam, outros não”, comentou Costa, segundo relatou ao Expresso um dos presentes. E o Presidente, por uma vez, ficou sem resposta: “Isto não posso comentar, não vou falar”, disse apenas, perante a gargalhada das comitivas."
Mas comento eu. A pilhéria "uns saltam outros não" mostra o nível de cultura da política que se pratica por quem acha que não vai saltar mais tarde ou mais cedo ? Talvez. Mas mostra certamente outra coisa: o fantasma de quem ganha as eleições omnipresente e reprimido. É difícil resistir. "Deve-se também ter em conta o singular e quase fascinador encanto que o chiste possui na nossa sociedade". (Freud, O chiste e a sua relação com o inconsciente)
Sobre este salto, por mim, fico com o comentário de "sumptuoso" de Siza Vieira, como aqui se refere: "Sumptuoso", disse Álvaro Siza Vieira à saída do Grand Palais onde foi ver, ainda em final de montagem, a exposição de Amadeo de Souza-Cardoso. (Ana Sousa Dias, DN, 19 Abril 2016)
 

17/06/16

Feridas psicológicas do terrorismo


Continuamos a assistir, via comunicação social, a actos de violência terrorista. Nos últimos dias: Um jovem mata casal de polícias em Paris; Em Orlando, nos EEUU, um homem matou 50 pessoas e feriu 53; quase diariamente são feitas ameaças de que outros actos terroristas se seguirão…
Esta violência cria vítimas directas: os mortos e os feridos fisicamente e todas as que ficam com feridas psicológicas para muito tempo. Entre as vítimas indirectas estão os familiares das vítimas e dos sobreviventes, os técnicos que desenvolvem a sua intervenção durante este tipo de crises, assim como os que assistem através da comunicação social a estes actos de violência que geram incerteza e medo em cada um de nós. Ficamos a interrogar-nos onde devemos estar, tomar um café, passear, fazer compras, passar as férias…
Além disso, provocam desajustamentos emocionais, stress pós-traumático, episódios de pânico, depressão e todas as consequências de saúde e sociais que resultam destas perturbações psicológicas.
A seguir ao 11 de Setembro em vários estudos verificou-se que havia um aumento de dores de cabeça, aborto, mudanças no cérebro, problemas pulmonares, aumento do medo em geral...
Verificou-se que o cérebro, mais especificamente a amígdala, se torna mais sensível ao medo, inclusive o de pessoas saudáveis que viviam a grande distância do local do ataque.
Interrogamo-nos sobre que espécie de gente é esta que é capaz de cometer assassinatos de forma indiscriminada, atacando pessoas  totalmente inocentes. O medo também resulta de não sabermos quem pode ser esse terrorista que mora na nossa rua, é nosso vizinho e frequenta a mesma escola dos nossos filhos.
Apesar de não conhecermos um perfil de terrorista suicida sabemos já alguma coisa:  A sua personalidade apresenta algumas características: introvertida, tímida e com baixa autoestima, facilmente seduzido e manipulável por “doutrinadores” que os sujeitam a técnicas de condicionamento e de “lavagem cerebral” onde as acções mais depravadas e brutais são justificadas por determinadas causas com argumentos irracionais ou ilógicos.
Por outro lado, há sinais comportamentais que se tornam, a posteriori, mais precisos, Vejamos o que a ex mulher do terrorista de Atlanta e um ex-colega de trabalho dizem:
Descreve o ex-marido como “profundamente perturbado e traumatizado”. Alguém que facilmente perdia o controlo e tinha um passado de consumo de esteroides: "Envolvia-se em conflitos e discussões frequentes com os pais, mas a maior parte da violência era dirigida a mim, eu era a única pessoa na vida dele”.
Um ex-colega de trabalho, revelou ao New York Times que chegou a queixar-se de Omar à empresa: “Ele falava constantemente em matar pessoas”, afirmou. “Ele estava sempre zangado, a suar, zangado com o mundo.”

Esta é a realidade dos começos do sec. XXI. Devemos estar atentos e ao mesmo tempo continuar a fazer a nossa vida sem que o medo tome conta dela.

11/06/16

Hoje apetece-me ouvir: Brian Wilson

Não posso amar-te para sempre
Mas enquanto houver estrelas sobre ti
Não precisas duvidar disso
Vou fazer- te ter certeza disso

Só Deus sabe o que seria de mim sem ti

Se algum dia me abandonares
Embora a vida continue, acredita
O mundo não me pode mostrar nada
Então de que me adiantaria viver

Brian Levine, "O drama de Brian Wilson - Ascensão, queda e retorno do líder dos Beach Boys mostram a importância das funções executivas do cérebro para a criatividade", Scientific American, Mente e Cérebro, Agosto de 2006.
"... Parafraseando o psicólogo canadense Endel Tulving, a flecha do tempo corre em linha reta, mas a memória nos permite dar voltas para revisar o passado e reaver, mesmo que em fantasia, o que foi perdido. Se a ressurreição pública de Brian Wilson reforça essa esperança, então Smile é uma curva de 37 anos. Talvez esse álbum responda a um propósito que ultrapasse a excelência de sua música - a necessidade de acreditar que é possível recuperar o que foi perdido."

A incrível vida de Brian Wilson (Filipe Garcia, Blitz): O fracasso, a falta de capacidade cognitiva e criativa, a doença mental podem ser superadas. Smile mostra a poderosa capacidade de superação e de resiliência da mente humana.

09/06/16

O populismo explicado aos donos das "vacas que voam"


"Es muy interesante el concepto de gratuidad que mencionas en tu discurso, ¿qué quieres decir con eso?
El populista en sus discursos siempre habla de estos abstractos, la nación siente, la nación opina, la nación piensa, y realmente cuando te pones a pensar, tanto el Estado como la nación, no son más que un cúmulo de individuos tomando decisiones.
Cuando alguien te habla en esa generalización de abstractos y te dice “el Estado paga”, a la gente se le olvida que el Estado no es un ente que genere dinero por sí mismo, sino que son un montón de individuos que reciben recursos de otro montón de individuos, que deciden cómo se van a administrar esos recursos."
Nada es gratis. Es decir, tenemos que estar conscientes de que todo viene con el costo de algo. Y en mi país, de cada 10 actividades económicas solo dos pagan impuestos. Todo el mundo quiere exigir del Estado, y es muy fácil exigir si no contribuís."

Da entrevista de  Belén Marty a Gloria Álvarez,  7 Nov. 2014, PanAmPost

08/06/16

06/06/16

À velhice

 


À VELHICE

Vejo em ti o estuário que se expande e desdobra magnificamente
               conforme se derrama no grande mar.


Walt Whitman, Folhas de erva

05/06/16

Liberdade de escol(h)a

Paulo Guinote, em 2014, publicou "Educação e Liberdade de Escolha". Nesta altura, seria impensável a controvérsia de 2016. Talvez nem existisse, se o livro tivesse sido lido. Era, no mínimo, um trabalho suficiente para ajudar a decisão sobre os contratos de associação e o que extravasou disso, talvez o mais importante, a questão da liberdade de escolha em educação. Apesar de todas as discordâncias que possam existir com o autor.
Na verdade PG diz ao que vem e isso é um primeiro mérito porque não engana ninguém e opta claramente por uma das opções embora com espírito critico e com as reservas que a análise que  fez lhe oferecem:
"A perspectiva é necessariamente localizada em virtude do envolvimento do autor, enquanto professor do Ensino Básico e encarregado de educação de uma aluna a frequentar esse mesmo nível de ensino, não procurando ser um olhar neutro sobre a realidade, mas sim um contributo activo para que essa realidade não evolua num sentido que se considera não ser o melhor. Apesar disso, não procura ser um olhar corporativo ou de facção, mas sim um olhar preocupado com o destino da Educação em Portugal, enquanto professor e pai, e um olhar cansado com a permanente retórica da reforma educativa, enquanto cidadão interessado numa questão estruturante para o futuro do pais." (p. 20)
Partilho quase tudo o que está escrito. A questão é saber o que é isso "que se considera não ser o melhor".
Não sabemos nem "quem" considera nem "o que" se considera... mas neste caso temos o que considera PG e isso merece todo a consideração do leitor.
Outra questão ainda de discordância, ou talvez não, é a que refere o aproveitamento dos estudos e da truncagem da informação por parte dos que defendem a liberdade de escolha que se pode aplicar a quem o faz "...baseando-se na circulação da informação que, mesmo não sendo totalmente neutra ou livre de enviesamentos, deve procurar ser equilibrada e não truncada de forma mais ou menos consciente, para que apresente narrativas que prometem uma felicidade e um êxito que sabem ser meras ilusões ao serviço de agendas particulares". (p. 105) Mas isto será para todos e para todas as posições, e sobre manipulação da informação são as sociedades livres e abertas que menos críticas merecem.

As principais questões levantadas no livro, em meu entender, são as que podemos referir a seguir:
- a liberdade de escolha é mais complexa do que a mera questão estatal - privado, 
- a liberdade de escolha tem várias dimensões que  vão muito para além da questão estatal-privado,
- a questão dos custos por turma e por aluno não são o mais importante nesta análise,
- as soluções encontradas pelos vários países têm aspectos positivos mas também merecem  críticas.

A realidade mostra que a dicotomia estatal-privado é uma falsa questão e que a convivência de vários subsistemas  pode, em alguns casos, trazer vantagens para o sistema educativo e desvantagens noutros casos. Por exemplo, o modelo da liberdade de escolha "demonstra ser mais vantajoso quando dirigido para diminuir as desigualdades, centrando-se no apoio aos mais desfavorecidos" (p.105)
A liberdade de escolha é uma questão que está muito para além da propriedade dos edifícios e da gestão da escola e ela coloca-se dentro do próprio subsistema estatal, basta ver a procura que os pais fazem de escolas mais bem posicionadas nos rankings, em particular no secundário, ou de escolas que  têm alunos apenas porque não há mais escolha...
O livro, basicamente,  tem três capítulos: a liberdade de escolha na sala de aula, a liberdade de escolha na organização das escolas e a liberdade de escolha no sistema educativo.
Apenas a última se refere à questão que entrou para a agenda mediática e isso é mais do que limitativo da discussão acerca da qualidade da escola que nos preocupa a todos, certamente.
A questão dos custos é a mais falaciosa de todas. Primeiro é difícil estabelecer  uma igualdade e de circunstâncias que permita fazer comparações entre turmas. No ensino estatal não haverá duas turmas com um custo semelhante. Pelo número de alunos ser diferente de turma para turma, pelos professores que nela ensinam pertencerem a níveis remuneratórios diferentes porque  não custa certamente o mesmo uma turma numa  escola com um corpo docente estável e com média de idades mais elevada ou outra em que o corpo docente é mais recente.
Há, além disso, uma diferença fundamental para estabelecer esse valor: o regime educativo especial. Não é a mesma coisa ter 20 professores de educação especial, terapeutas da fala, formador de LGP, Intérprete de LGP e psicólogo, ter 60 alunos no REE, ter Educação bilingue de alunos surdos e Unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo, ou outras previstas DL3/2008. E materiais, equipamentos específicos...
Não há um custo médio/aluno que sirva para qualquer comparação sob pena de ser errada.
Também aqui se coloca a questão da liberdade de escolha. O DL3/2008 ao criar as escolas de referência veio limitar a possibilidade de escolha dos pais mas digamos que ao pretender atender melhor criou essa dificuldade.
Mas podíamos ir mais longe: porque optou  o ME, nas unidades de ensino estruturado, exclusivamente,  pelo modelo TEACCH ? Também aqui as escolhas ficaram limitadas. Bem sei que os pais podem fazer outras escolhas....
Tendo tudo isto em conta, certamente,  o custo de uma turma numa escola particular será certamente mais baixo.
Além disso a criação destas escolas tem muitas vezes a ver não já com a falta de resposta como foi o caso em Portugal onde o estado inicialmente foi pedir aos particulares que ajudassem a completar a cobertura da rede escolar mas onde a escola pública foi um falhanço e foram estas escolas que deram resposta àquelas famílias e àqueles alunos de que a escola do estado desistiu.
Mais, não são comparáveis os custos de turmas de escolas profissionais, ou nas escolas, das turmas CEF e PCA, à partida com menor número de alunos, com especialidades tão diferentes que implicam custos diferentes  e onde os alunos têm uma bolsa de formação.
Mas se com esforço quisermos comparar duas turmas mais ou menos em igualdade de circunstâncias, terá que ser, necessariamente, mais barata porque deve ser levado em conta que a gestão  privada leva vantagem em relação à gestão centralizada, burocrática e fora da realidade do ME, como a existência de horários zero, a burocracia, a colocação centralizada e a gestão de recursos humanos ( de que a situação de mobilidade não é solução),  a inexistência de cultura de escola... Como sempre, há boas excepções.
Uma coisa é certa. "Na rede pública como na rede privada, é preciso criar mecanismo reguladores e fiscalizadores que assegurem que a liberdade de escolha não é tomada como refém dos mais poderosos, acentuando fenómenos de agravamento das desigualdades e segregação. Algo que já é  visível nos espaços urbanos, onde as escolas secundárias com melhores posicionamentos nos rankings são obrigadas (ou aderem de modo voluntário) a mecanismos informais de selecção dos alunos com melhores percursos educativos ou mais garantias de êxito no sentido de se manterem competitivas em relação às escolas privadas e à concorrência da própria escola pública" (p.106).
Só não vê a realidade quem realmente não quer, ou já não pode, tal a deformação ideológica a que foi sujeito...
Em vez de acabar com escolas, desta vez foram as de contrato de associação, talvez fosse interessante criar novas escolas, estatais, privadas e "concessionadas"... 
Em Janeiro de 2014, PG dava algumas indicações preciosas para a prática da liberdade de escolha em educação:
     Para que se ponha em prática entre nós uma verdadeira liberdade de escolha em matéria de Educação, julgo ser essencial recolher e analisar com objectividade a informação disponível sobre as experiências em curso noutros países, tentando perceber o que pode e deve ser aplicado entre nós e o que é pouco aconselhável, o que pode e deve ser experimentado de forma controlada e com um período razoável de monitorização e o que pode ser generalizado com alguma rapidez. O que funciona numa sociedade com baixos níveis de desigualdade como a sueca pode encontrar obstáculos em Portugal, mas algumas experiências de êxito em zonas urbanas problemáticas e de grande diversidade étnica e cultural dos EUA podem servir como inspiração para projectos de intervenção em zonas com traços similares nas nossas maiores áreas urbanas.
    Também é importante perceber que as regras, e criação, funcionamento e avaliação destas novas escolas devem ser flexíveis mas transparentes. Que devem ser pensadas em função das necessidades específicas das comunidades educativas onde se vão inserir e não de acordo com os interesses empresariais ou económicos dos seus promotores. Que não devem seguir valores médios de financiamento por aluno ou turma, mas adequarem-se às valências disponibilizadas aos alunos e ao perfil de necessidades destes. Que o princípio democrático da igualdade de acesso deve ser combinado com o princípio, igualmente democrático, do direito à diferença.
     Por fim e embora pareça óbvio, é indispensável que os decisores políticos assumam que o princípio fundamental é o da qualidade do serviço público prestado, seja gerido directamente pelo Estado ou contratualizado com privados com mecanismos de regulação eficazes, e não meramente o princípio do menor encargo possível. A Educação é algo que tem um valor que vai além do simples materialismo contabilístico e como tal não deve ser pretexto para o estabelecimento de negócios ruinosos para o futuro da nossa sociedade. (p.106-107)

02/06/16

Liberdade de escol(h)a


Em 146 países Portugal ocupa o 45 lugar na questão da liberdade de escolha em educação.
"A liberdade de escolha em educação diz respeito à possibilidade de os pais poderem escolher a escola onde os filhos estudam, independentemente do seu estatuto. Com base nos resultados obtidos, os Estados foram classificados numa escala de 1 a 100, na qual Portugal se situa a pouco mais de meio (58,7). Numa lista que é encabeçada pela Irlanda (98,73). Holanda (89,59) e Bélgica (89,34)."
As experiências melhores ou piores não estão devidamente consolidadas para poderem ser apresentadas como modelos, e, se calhar, ainda bem que é assim porque, também neste ponto, cada país poderá descobrir o seu próprio caminho para a educação dos seus cidadãos.

Em Portugal, dado o seu estado actual nesta classificação, a situação recomendaria alguma parcimónia* por parte de um governo minoritário que perdeu as eleições mesmo que, ainda assim, tenha tido "arte" para constituir governo apoiado no parlamento em partidos ditos de esquerda.
O que choca nesta situação é a ligeireza com que se tomam decisões, a régua e esquadro, sobre as escolas que devem fechar ou continuar abertas; o que choca é a não avaliação, o não cumprimento de contratos que se estabelecem ou sequer a revisão dos mesmos. Pura e simplesmente tomam-se decisões, unilateralmente, com implicações graves para muitos milhares de alunos e famílias.**
Nesta matéria, dificilmente haverá consenso porque há diferentes visões da sociedade. Há quem continue a achar que tudo deve ser estatal, desde o armazém do povo à escola, outros porém, nos quais me incluo, acham que a liberdade de escolha é um valor fundamental da democracia e que ela deve existir em todas as áreas da vida social. O aprofundamento da democracia faz sentido quando se procura que sejam os cidadãos a tomar conta das instituições, retirando o estado daquilo em que não é necessário, não é mais eficiente nem mais eficaz. 

Não há consensos mas pode haver compromissos, e havia o compromisso de manter uma rede de escolas com contratos de associação para os próximos três anos. Não honrar esses compromissos é que não parece ser correcto neste campo ou noutro qualquer. 
Deve haver compromissos entre as várias instituições democráticas em relação à liberdade de escolha da escola, e à complexidade das outras escolhas educativas que  vão para além da escolha da escola estatal ou privada.
É que a escolha de uma escola do estado nem sempre é fácil. Depois, nessa escola há vários turmas dirigidas por diferentes professores (e isto é mais evidente no 1º ciclo) e é necessário escolher uma turma/um professor da turma.  Claro que para me informar posso utilizar os rankings, posso utilizar as informações informais de outros pais e de outras pessoas ligadas ao ensino... mas os pais conhecem bem este problema.
Posso preferir uma escola profissional que oferece especialidades diferentes aos alunos, modelos de avaliação diferentes, e que têm um regime de gestão diferente das escolas estatais, dependente de várias entidades.
Muitas vezes as escolhas são limitadas às turmas existentes e às varias opções possíveis como acontece no ensino secundário em que as escolas mais pequenas oferecem opções reduzidas.
Posso optar por escolas que ofereçam um projecto curricular académico interessante mas que também tenha actividades extracurriculares afins à minha escolha académica ou completamente diferentes dessa escolha.
Mas posso preferir uma escola privada ou com contrato de associação e não é por isso que o problema da liberdade de escolha deixa de se colocar face às várias opções educativas que  se colocam aos pais e alunos, como na escola estatal.

A complexidade das decisões em educação justificava ponderação e bom senso mas estes são bens que escasseiam na 5 de Outubro.
_____________________________
* mas a urgência impunha-se: «o desenvolvimento da liberdade de escolha em educação não consta do programa do actual Governo. A maioria de esquerda no Parlamento já aprovou, aliás uma recomendação ao executivo para que “restrinja a existência de contratos de associação em zonas em que exista oferta e capacidade instalada não utilizada nas escolas públicas”». (Público,3-2-2016)

** Notícia de hoje: Pais, alunos, professores fizeram uma vigília esta quarta-feira à noite em Vila Meã, contra os cortes de financiamento no ensino associativo. Em causa está um Externato no concelho de Amarante que conta com 1600 alunos e 35 anos de existência. (RTP, 2-6-2016)
Pais, alunos, professores fizeram uma vigília esta quarta-feira à noite em Vila Meã, contra os cortes de financiamento no ensino associativo. Em causa está um Externato no concelho de Amarante que conta com 1600 alunos e 35 anos de existência. - See more at: http://www.rtp.pt/noticias/pais/centenas-protestam-em-amarante-contra-cortes-nos-colegios-com-contratos-de-associacao_v923111#sthash.aMDkZZWx.dpuf
Pais, alunos, professores fizeram uma vigília esta quarta-feira à noite em Vila Meã, contra os cortes de financiamento no ensino associativo. Em causa está um Externato no concelho de Amarante que conta com 1600 alunos e 35 anos de existência. - See more at: http://www.rtp.pt/noticias/pais/centenas-protestam-em-amarante-contra-cortes-nos-colegios-com-contratos-de-associacao_v923111#sthash.aMDkZZWx.dpuf
Centenas protestam em Amarante contra cortes nos colégios com contratos de associação - See more at: http://www.rtp.pt/noticias/pais/centenas-protestam-em-amarante-contra-cortes-nos-colegios-com-contratos-de-associacao_v923111#sthash.aMDkZZWx.dpuf
Centenas protestam em Amarante contra cortes nos colégios com contratos de associação - See more at: http://www.rtp.pt/noticias/pais/centenas-protestam-em-amarante-contra-cortes-nos-colegios-com-contratos-de-associacao_v923111#sthash.aMDkZZWx.dpuf
Centenas protestam em Amarante contra cortes nos colégios com contratos de associação - See more at: http://www.rtp.pt/noticias/pais/centenas-protestam-em-amarante-contra-cortes-nos-colegios-com-contratos-de-associacao_v923111#sthash.aMDkZZWx.dpuf

01/06/16

Dia da criança



INFÂNCIA

Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidão, oh perda de tempo tão pesada...
E então, à saída, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.

E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.

E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensão cada vez mais fugaz,
Oh angústia, oh fardo!

E longas horas, junto ao grande tanque cinzento,
ajoelhar-se com um barquinho à vela;
esquecê-lo, porque com iguais
e mais lindas velas outros ainda percorrem os círculos,
e ter de pensar no pequeno rosto
pálido que no tanque parecia afogar-se — :
oh infância, oh fugazes semelhanças.
Para onde? Para onde?

Rainer Maria Rilke, O Livro das Imagens, Tr. de Maria João Costa Pereira