29/04/15

Aprender a envelhecer


Nunca se está preparado para envelhecer. Como diz Sobrinho Simões "é muito, muito chato, envelhecer".(entrevista a Inês Meneses, Expresso,18/4/2015).
Mas, se é uma realidade a que não podemos escapar, podemos envelhecer bem sem necessidade de nos enganarmos a nós próprios (Psychologies - Bien vieillir - Sans se mentir, nº 350, Avril, 2015).
Envelhecer não significa reformar-se. Obviamente que as pessoas vão arranjando defesas para lidarem com o esforço que é pedido quando o corpo já vai apresentando algumas debilidades mas não há uma idade para isso que, como se sabe, pode ser aos 50 anos para algumas pessoas mas para outras será aos 60 ou 70 anos.
Há algum tempo, quando a vida era mais linear, falava-se em cursos de preparação para a reforma. Agora de um momento para o outro tomamos, ou tomam por nós, a decisão de passarmos à reforma e de uma forma ou outra "dizem-nos" que o nosso tempo na empresa chegou ao fim.
Na internet há muitos sítios onde podemos pesquisar conselhos úteis sobre a preparação para a reforma mas cada um de nós é que sabe exactamente o que se passa consigo.
Como em outros períodos da vida, como a adolescência, há grandes alterações a nível biológico, social, psicológico, espiritual e estes factores devem ser considerados no processo de reforma.

Chama-se vida activa à vida de trabalho mas creio que não é aceitável chamar-se vida passiva ao período após o trabalho.
A transição entre estes dois períodos da vida não devia ser tratada de forma tão ligeira. Bem sei que a preocupação principal é a da sustentabilidade do sistema de pensões para a qual há muitas propostas mas de que todos desconfiam, temendo um futuro onde tudo seja pior.
No entanto, para além do problema financeiro, da necessidade de racionalização de quadros de pessoal, de rejuvenescimento dos trabalhadores e dos dirigentes, há outros factores igualmente importantes para que o processo de reforma se possa fazer com formas de transição mais suaves e pacíficas, em que tanto os trabalhadores como as empresas podiam ficar a ganhar.

A primeira questão a colocar é saber se é melhor a pessoa reformar-se ou se é melhor continuar a trabalhar.
E, de facto, alguns trabalhadores querem trabalhar até mais tarde e não estão a aceitar as propostas de reforma vindas das administrações das empresas porque estão motivados, gostam do trabalho que fazem e estão aptos para continuarem no seu posto de trabalho.



Anne Tergesen, A Guide to Not Retiring, March 15, 2015, Wall Street Journal

Hoje é tudo mais descartável e a cultura organizacional pouco importa. A reforma chega e ponto final. Nos serviços públicos não há sobreposição de períodos de transição entre a entrada de um novo técnico  e a saída do técnico experiente. Mas devia haver.

Alguns países adoptam formas de transição interessantes como o trabalho a tempo parcial. Temos aí uma promessa eleitoral de “um programa “ambicioso” de reformas a tempo parcial com a condição de contratação de jovens desempregados”.

Outra forma de transição seria a criação de carreiras em que após um trabalho mais activo se pudesse dar oportunidade a um trabalho mais reflexivo, a actividades de formação-acção ou de supervisão, não necessariamente de chefia, em todas as profissões, mas em algumas isso é mais óbvio, como é o caso de alguns professores de educação física.

Aprender a envelhecer começa pela avaliação dos factores e das consequências implicadas na decisão de se reformar.

23/04/15

A antibiblioteca



Hoje, 23 de Abril, celebra-se o Dia mundial do livro e dos direitos de autor. A comemoração desta data tem como objectivo reconhecer a importância e a utilidade dos livros, assim como incentivar hábitos de leitura na população.
 Esta data foi escolhida, em 1995, pela UNESCO, por ser um dia importante para a literatura mundial  - a 23 de Abril faleceu Miguel de Cervantes (1616), nasceu Vladimir Nabokov (1899) e nasceu e morreu William Shakespeare (1564 e 1616).

1. Os livros são um importante meio de transmissão de cultura e informação. 

Os livros são para serem lidos. E muitos são. Mas outros ficam na biblioteca à espera que o sejam.
Nassim N. Taleb (O Cisne Negro - o impacto do altamente improvável), escreve na primeira parte a que chama a antibiblioteca de Umberto Eco ou como procuramos obter validação, a forma, “como nós humanos, lidamos com o conhecimento – e a nossa preferência pelo anedótico em detrimento do empírico.”

A biblioteca de Umberto Eco que segundo uma interessante entrevista da Revista do Expresso (18-4-2015)  deve andar na ordem dos cinquenta mil livros, tem muitos livros que Eco nunca leu e constituem o que Taleb chama de antibiblioteca. Claro que tantos livros “não servem para inflamar o ego” e os livros lidos e não lidos são uma "ferramenta de investigação". 

Os livros não lidos da nossa biblioteca mostram aquilo que não sabemos. “Acumulamos mais conhecimento e mais livros à medida que envelhecemos e o crescente número de livros não lidos nas prateleiras observar-nos-á de forma ameaçadora. Na verdade quanto mais sabemos mais extensas são as filas dos livros por ler."
Desprezar a parte virgem da biblioteca, os livros por ler, leva à “confirmação do erro”, uma vez que temos tendência a confirmar o nosso conhecimento e não a nossa ignorância.
O livro é uma ferramenta do desenvolvimento do espírito crítico. Tão necessário hoje em dia que vivemos numa situação paradoxal ao termos um acesso quase ilimitado a qualquer tipo de informação, tipo wikipedia, mas não sabemos seleccionar essa informação. Ora não saber seleccionar o que lemos equivale a perda de tempo e ou maior confusão.

2. Os livros são um elemento fundamental no processo educativo. André Mareuil (Le livre et la construction de la personalité de l'enfant ( pag. 51-101) descreve alguns aspectos desse processo:
O livro é um meio de catarse: permite à criança reviver situações ansiogénicas que ela tem necessidade de conhecer e traz ao inconsciente (mais do que ao consciente) do jovem leitor o conhecimento dos jogos edipianos.
A leitura pode dar informações sobre os problemas (pós-edipianos) acerca da  sexualidade.
O livro é ainda um meio de sublimação (no sentido da substituição de um impulso sexual ou afectivo por outro de natureza intelectual ou artística):  como meio de ultrapassar as dificuldades, como descoberta da ciência e como sublimação pelo humor (como os livros de banda desenhada, do Asterix ao Lucky Luke).

3. Ler um livro é uma fonte de prazer intelectual quando temos aquela sensação de estarmos por dentro do pensamento do autor, de prazer erótico, identificando-nos com os personagens, imitando ou recusando os seus papéis...

22/04/15

Georges! anda ver meu país de romarias


                                       Georges! anda ver meu país de romarias
                                       E procissões!
                                       Olha essas moças, olha estas Marias!
                                       Caramba! dá-lhes beliscões!
                                       Os corpos delas, vê! são ourivesarias,
                                       Gula e luxúria dos Manéis!
                                       Têm nas orelhas grossas arrecadas,
                                       Nas mãos (com luvas) trinta moedas, em anéis,
                                       Ao pescoço serpentes de cordões,
                                       E sobre os seios entre cruzes, como espadas,
                                       Além dos seus, mais trinta corações!
                                       Vê! Georges, faze-te Manel! viola ao peito,
                                       Toca a bailar!
                                       Dá-lhes beijos, aperta-as contra o peito.
                                       Que hão-de gostar!
                                       Tira o chapéu, silêncio!
                                                                         Passa a procissão
                                       ...

António Nobre, , Lusitânia no Bairro Latino, 3, Clássicos da língua portuguesa, Círculo de Leitores.

17/04/15

Hoje apetece-me ouvir

Madeleine Peyroux - Um poema de Leonard Cohen e o timbre de Billie Holiday.
...to the end of love. Contra todas as guerras: as de fora e as de dentro, as do inferno são os outros e as do inferno somos nós.


Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic 'til I'm gathered safely in
Lift me like an olive branch and be my homeward dove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love...


16/04/15

Cães de loiça


A maioria das pessoas gosta de animais, especialmente de cães ou de gatos.  Para muitas pessoas, e em especial para as crianças *, ter um animal proporciona benefícios bem conhecidos a nível psicológico, fisiológico e social.
Nos adultos e nas crianças, os animais 
- proporcionam o aumento da actividade física e o desenvolvimento psicomotor;
- favorecem o relacionamento e o afecto;
- diminuem o stress, a solidão e a ansiedade; 
- proporcionam o convívio familiar;
- melhoram as actividades lúdicas;
- favorecem a socialização e melhoram a aprendizagem de regras sociais;
- ajudam nas terapias e actividades de estimulação em algumas doenças e deficiências proporcionando melhoras físicas, sociais, emocionais e cognitivas.
- melhoram a resistência a algumas doenças (estudos mostram que crianças que tinham animais, até aos cinco anos, se tornam mais resistentes a algumas doenças; enquanto isso, aquelas que não tiveram um animal de estimação, estavam mais propensas a desenvolver alergias e infecções de ordem respiratória). 
- Os animais podem ajudar a desenvolver a responsabilidade social pois requerem cuidados de higiene, alimentação e saúde, para além dos bons tratos, por parte dos adultos ou das crianças.

Para a grande maioria das pessoas, incluindo muitos donos de animais, é insuportável ver o sofrimento que alguns seres humanos infligem aos animais. Mas nem todos são assim. Sabemos que, infelizmente, há animais que são sujeitos a grande sofrimento.
Aliás, a crueldade para com os animais é um sintoma grave nas perturbações de comportamento (DSM).
Há donos de animais que mostram a sua insensibilidade e irresponsabilidade social através dos maus tratos e do abandono dos seus animais.
Em Portugal foram abandonados trinta mil animais, em 2013, e o número duplicou desde 2008.
Muitas destes donos de animais são irresponsáveis sociais: mantêm os animais em prédios, sem condições, nas varandas ao sol e à chuva e sem alimentação
Levam o cão à rua não só para (o) passearem mas para deixarem os excrementos nos passeios, na relva dos jardins ou em qualquer lugar público.
Estes irresponsáveis contam com a tolerância dos outros cidadãos portugueses que apesar de gostarem de ter a sua casa limpa e criticarem severamente quem o não faz, parecem mais insensíveis à bosta de cão do que à falta de limpeza dos vizinhos ou dos familiares. 
Mais grave ainda, estes donos de animais, nem sequer são sensíveis às campanhas publicitárias e ao facto de as câmaras municipais disponibilizarem sacos para esse efeito.
Trata-se de um problema de saúde pública que não os incomoda.
Quando se adquire um animal devemos pensar se temos ou não condições para que esse animal possa ser criado com os cuidados de que necessita.
Por isso, se gostamos de animais e não temos condições, o melhor é compramos cães de loiça, que como diz uma canção bem humorada 
... não sujam os quintais, 
... nunca se vão babar, nem ganir, nem ladrar, nem ferrar os ladrões. 
... não largam pêlos ou pena, nunca roem os sofás...

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* Anne Lanchon, "Mon enfant veut un animal", Psychologies, pag 58, nº 350, com Hubert Montagner, autor de A criança e o animal, Instituto Piaget.

Ver aqui um resumo da legislação.

07/04/15

A luta pelo estímulo


D. Morris escreveu há alguns anos (1969, trad. port. 1971) "O Zoo Humano". Um dos capítulos mais interessantes tem como título “A luta pelo estímulo” (pags. 206-255).
“Quando um homem se aproxima da reforma sonha muitas vezes poder calmamente sentar-se ao sol.
Repousando-se descontraidamente tem esperanças de gozar longos anos de vida. Se consegue realizar o sonho de se sentar ao sol pode ter a certeza de uma coisa: em vez de prolongar a vida, encurtá-la-á. A razão é simples - ele desistiu da Luta pelo Estímulo…
“ O objectivo desta luta é obter do meio ambiente a quantidade óptima de estimulação. Isto não quer dizer a quantidade máxima. Pode ser-se hiperestimulado ou hipoestimulado. O óptimo (ou média feliz) encontra-se situado entre aqueles dois extremos."

Morris estabelece um paralelismo entre o que se passa no recinto zoológico com o que se passa no recinto antropológico. Apresenta as várias formas de luta pelo estímulo:
- Se a estimulação é muito fraca pode aumentar-se o rendimento comportamental:
1. criando problemas desnecessários que podem em seguida resolver-se.
Trabalhamos cada vez mais e por isso queixamo-nos de cansaço. E o tempo que nos sobra serve para termos actividades que nos cansam ainda mais. A discoteca é um exemplo. Inventamos imensas máquinas que nos ajudam na cozinha  ou no trabalho mas mesmo assim inventamos novas actividades.
Actualmente vemos telenovelas que nos cansam mesmo sentados, as intrigas da internet e das redes sociais ocupam a vida emocional de muitas pessoas.
2. reagindo exageradamente a um estímulo normal.
Algumas formas desta reacção são a alimentação exagerada, a obesidade, ficamos com os nervos em franja com descargas psicomotoras que nos fazem roer as unhas, matamos o tempo a fumar ou a beber com os amigos.
3. inventando novas actividades.
Este é o campo da criatividade. As pessoas dedicam-se às artes, à filosofia, à ciência.
4. executando respostas normais perante estímulos subnormais.
Este é o princípio do excesso. Os animais adaptam-se a relacionamentos com outros animais que no mundo natural seriam fonte de alimento, vemos gatos a brincar com peixes, cães dormem com gatos…
Na esfera sexual, provavelmente, temos as cinquenta sombras de Grey.
5. ampliando artificialmente certos estímulos seleccionados.
Fazemos a comida mais condimentada; a moda é cada vez mais extravagante, Lady Gaga não desmerece deste princípio.
As plásticas em determinadas zonas do corpo, aumentado ou diminuindo; as pernas devem parecer longas, os perfumes devem ter um efeito sedutor e uma pele bronzeada faz-nos mais felizes.
A lei do deslocamento das zonas erotogéneas diz respeito à forma como a concentração sobre uma zona é substituída pela concentração sobre outra zona, à medida que o tempo passa e a moda muda.
Sobem as saias sobem os decotes ou o contrário. A moda masculina também muda, usa-se roupa mais desportiva, põe-se gravata, tira-se gravata…
- Se a estimulação é forte de mais pode aumentar-se o rendimento comportamental:
6. aumentando a responsividade às sensações recebidas.
Este é o princípio do corte. Perante a imensidade de estímulos precisamos de cortar com eles. Deixamos de ver televisão, não lemos jornais, precisamos de dormir, às vezes precisamos de ajudas artificiais, de tranquilizantes... Acima de tudo precisamos de dormir para sonhar.
Temos muitas terapias para cortarmos com a hiperestimulação. São técnicas de repetição de sons, de gestos… Apesar disso podemos não conseguir cortar tantos estímulos. Nesse caso podemos ficar doentes física ou mentalmente.

Convém não esquecer que para vivermos precisamos de lutar pelos estímulos mas apenas por aquela dose óptima para sermos bem sucedidos.



A renúncia, o número dois e o futuro


Finalmente, depois de ter "a casa arrumada", renunciou no dia 1 de Abril. Não pelo princípio de ser eticamente relevante continuar a ser presidente da Câmara de Lisboa e, simultaneamente, dedicar-se em pleno à campanha eleitoral mas como aqui se diz:  A saída da Câmara era óbvia para quem é líder do PS e quer ser primeiro-ministro. Mas Costa não soube controlar os acontecimentos e sai numa altura em que estava envolvido em polémicas na Câmara e quando o PS tarda em descolar nas sondagens.
Tem muita "sorte" porque para um ser mortal, mal começa o dia começa a desarrumação. A vida é desarrumação. O pensamento é desarrumação, constantemente à procura de estar arrumado e equilibrado. Num mundo complexo como aquele em que vivemos é nessa procura que estamos: equilíbrios e desequilíbrios permanentes. Para quem pensa, a casa nunca está arrumada.
Mas, em Lisboa, podemos estar descansados. Está tudo no seu lugar. O dois vem a seguir ao um e a noite vem depois do dia...

2. Quanto ao número dois (aqui e aqui ) traz-nos à memória a pouca "sorte"de Santana Lopes que estava "diminuído na sua autoridade" por não ter sido eleito. E agora? Lembra bem este comentador.
«Mário Soares, ex-primeiro-ministro, ex-Presidente da República, e frequentemente referido como o “Pai da democracia portuguesa” criticou ontem, em declarações ao jornal espanhol ‘El Mundo’, o facto de Jorge Sampaio ter conferido posse a Santana Lopes, sem dissolução do Parlamento e realização de eleições, quando Durão Barroso abandonou o cargo de primeiro-ministro para assumir a Presidência da Comissão Europeia, em Julho passado.»
«O líder o PS, José Sócrates, discordou hoje do Presidente da República sobre a legitimidade do Governo ao afirmar que o primeiro-ministro “está diminuído na sua autoridade” por não ter sido eleito. Este primeiro-ministro não foi votado pelos portugueses. Está sempre diminuído na sua autoridade porque não foi a votos e só a legitimidade política dá a autoridade”, afirmou José Sócrates, numa reacção à entrevista que o Presidente da República, Jorge Sampaio, deu na sexta-feira à Antena 1 e que foi hoje transmitida.»
Portanto, são questões de princípio, que no PS é conforme o caso. Já foi assim com Sampaio-Soares em Lisboa e com Gomes-Cardoso no Porto.
3. Costa fala de tudo e de nada e andará pelo insulto aos que lhe não agradam como é o caso dos "partidos políticos de aviário".
Ninguém tem que concordar com os seus princípios, propostas, intervenções mas a renovação, a criação de partidos não será própria da democracia ? Como qualquer organização, os partidos não nascem e morrem ?
O mesmo maniqueísmo: já tínhamos os de esquerda e de direita, os do progresso e os conservadores e agora passamos a ter os de aviário e os outros...
Mas o aviário é um bom mote para quem, eventualmente, vai ter de partilhar o poleiro, quem sabe, com um dos partidos... de aviário.
A política não é também a capacidade de fazer coligações ? O país tem de ficar sem governo quando o voto popular, sabiamente muitas vezes, não entrega maiorias absolutas a quem não quer ? E, nesse caso, não é preferível fazer coligações, claramente, assumindo as consequências, do que não fazer ou fazer "acordos limiano" ? E se for necessário fazer coligação com um "partido de aviário"?

Hoje apetece-me ouvir