28/08/12

Os sonhos dos jovens

1. Éramos todos, ou quase, de esquerda. Porém, de várias esquerdas. Ou de uma esquerda que era contra todas as outras esquerdas e os que não eram de esquerda não se sabia quem eram.
Havia esquerdas para todos os gostos, umas mais (in)tolerantes do que outras, que se degladiavam entre si: a uec, as facções m-l, o mrpp, os da 4ª, a udp, o mes...
Alguns dos seus representantes permaneceram iguais a si próprios e continuam, hoje, com o mesmo discurso. Que “coerência” ! Continuam hoje como já os ouvíamos na cantina velha, em Ciências ...

2. Também já conhecíamos os versos "vemos, ouvimos e lemos,  não podemos ignorar" (Sofia). Tínhamos lido sobre a revolução cultural chinesa e, no mínimo, ficávamos apreensivos. Como era possível que alguém pudesse acreditar e defender aquilo ? Como era possível que alguém pudesse apostar que o sol vinha dessas pátrias do socialismo real ?
Líamos coisas de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, de  Antonie Pannekoek, de Alexandra Kollontai, sobre Kronshtadt, coisas libertárias ou pseudolibertárias... e percebíamos que as tutelas do estado fascista ou socialista ou capitalista tinham muitas semelhanças.
Era rídiculo ver uma juventude moralizadora da outra juventude que não queria aquela esquerda nem se identificava com aquelas ideologias.
Nem tudo era admitido pelas esquerdas. Muito menos dentro da universidade ou nas aulas. Excepto se fosse m-l. Criticar o leninismo, enfim, criticar o maoismo nem pensar.
Éramos jovens universitários, almoçávamos pelas cantinas onde militantes, académicos e jotas, nos chateavam com os discursos acalorados duma ou outra esquerda enquanto devorávamos o prato do dia...
Em Ciências, na cantina, onde comíamos em cima de caixotes de fruta, vínhamos até cá fora, porque as mesas já estavam cheias ou simplesmente para respirarmos outros ares, para não aturarmos aqueles indivíduos.
Um folclore político, cada facção cada dia mais radical na resolução dos problemas do mundo, cada uma mais "coerente" do que a outra, acusando-se mutuamamete de serem capitalistas, fascistas, social-fascistas e professando fidelidade à classe operária, vanguarda da revolução... e a gente só queria mesmo estudar e acabar o curso.
Ficámos vacinados contra estes jotas e académicos. Muitos são, agora, dirigentes políticos. Nunca me comoveram, nunca me inspiraram, nunca senti que falassem uma verdade desinteressada. Nunca fizeram parte dos meus sonhos enquanto jovem.

3. Maio 68 tinha sido há pouco tempo. E as coisas por cá sentiam-se ainda desse fluxo que em ondas sucessivas iam chegando. Professores duvidosos com cursos de sabe-se lá que universidades francesas traziam mais da mesma cultura.
Havia outro lado. Estes queridos professores: Bairrão Ruivo, Luís Soczka, José Gabriel P. Bastos...  Uns que marcaram mais do que outros a nossa vida e foram responsáveis por disciplinas estruturantes do curso. Recordo bem a "Psicopedagogia especial" e a "Observação e Avaliação Psicológica". Ainda são desse tempo as bases da minha profissão.

Fragmento de uma fotografia do Expresso/Revista

Alguns deles interessaram-nos, de facto, por aquilo que ia ser a nossa profissão. Bairrão, exigente, na avaliação, a escala de 0 a 20 valores, foi fundamental numa altura em que ser de esquerda significava não fazer exames...

4. A equipa, os grupos de trabalho, o grupo do "faz-se o que se pode" deambulando ali pela cidade universitária. Não tínhamos um "café des trois colombes" mas tínhamos a piscina do campo grande, o caleidoscópio, o apolo 70... as rge, rga, as manifestações...
 
5.  A pouco e pouco fui percebendo que a (re)solução dos problemas da humanidade era a mudança interior, a mudança de atitude, o esforço, o trabalho, individual, de equipa, o trabalho solidário.
Com o tempo havia de perceber essa diferença como aconteceu com alguns daqueles jovens de sonho errado.
Já havia tantas evidências de que os ditadores de esquerda ou de direita são todos e sempre iguais...

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