27/01/10

A arte de viver com os outros



Na última semana fomos, finalmente, postos perante uma situação social, organizacional e política nova: a negociação.
Aquilo que parecia impensável há algum tempo, de repente torna-se realidade.A negociação pode acontecer e até pode dar resultados sem ninguém perder a face. Sem ninguém deixar de ser o que é, sem ninguém ceder no essencial do seu projecto.
Uma palavra que praticamente tinha deixado de fazer parte do dicionário, de repente voltou, independentemente de se saber se vai haver resultados. O que importa, neste momento, é que há uma metodologia diferente. O método da negociação é o caminho a seguir porque a negociação é a regra de base das relações humanas.
ei que algumas pessoas não gostam da palavra principalmente quando estão em jogo as relações familiares como por exemplo as relações entre pais e filhos.
Mas a realidade é que quando duas ou mais pessoas vivem sob o mesmo tecto entram em desacordo diariamente. O conflito faz parte da vida de todos os dias.
Por isso é necessário negociar. Mas negociar não é deixarmos de ter a nossa posição. Negociação não é cedência.
Mas fazer do outro o alvo de todos os males não parece razoável. Nem o outro é tão mau que não se possa negociar com ele nem nós temos toda a verdade de forma tão absoluta que não se possa melhorar ou corrigir a nossa posição.
Na legislatura anterior foi o que aconteceu: Alcochete jamais acabou por ser Alcochete é que é. Na arte de negociar tem que se saber dar tempo ao tempo. Não se vai negociar quando se está num estado emotivo muito forte.
Entre as opções “o inferno são os outros” ou “o inferno somos nós” podemos encontrar uma plataforma de resolução do conflito que é a arte de viver com os outros.
A negociação respeita a todas as situações da vida e também àquelas que se passam no seio da família. Entre pais e filhos, entre adultos e crianças, entre professores e alunos, os conflitos devem ser também resolvidos pela negociação. A negociação requer uma tomada de perspectiva social de interdependência autónoma dado que a total independência é tão infrutífera quanto a total dependência (Selman).
Há portanto limites para a negociação. Tudo pode ser objecto de negociação mas nem tudo é negociável. A violência doméstica, a violência sobre as crianças, a violência sobre a liberdade, não é certamente negociável.
Mas a grande maioria dos problemas são negociáveis. Se o seu filho não quer comer a sopa o que faz? Se a sua filha de 7 anos recusa comer legumes vai castigá-la para mudar o seu comportamento? e são muitas vezes estes problemas tão simples que nos aborrecem fortemente no nosso dia a dia.
Assistimos nos últimos tempos, no plano social, a uma atitude obstinada de não querer negociar nada. É estranho hoje em dia porque sabemos que a resolução dos conflitos passa pela negociação.Ainda bem que se entendeu que negociar faz parte da nossa vida.
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(Ghazal, Michel (2004), “Un art de vivre avec les autres”, in Psychologies, nº 229, Avril, pp.58-59
Rondeau, Alain (1990), «La gestion des conflits dans les organisations», in Chanlat, J.-F., L’individu dans l’organisation, Les dimensions oubliées, Éditions ESKA, pp. 507-527.
Kindler, H.(1991), A gestão construtiva dos desacordos, Monitor )

21/01/10

Quem se preocupa ?


Não resisto a colocar aqui a informação do STE sobre a alteração ao estatuto do Pessoal Dirigente da Administração Pública.
É a inacreditável gestão de recursos humanos! Como se passou na Educação, há alguém que não gosta mesmo da Função Pública.

20/01/10

As nossas crises: “o inédito viável”



A propósito da passagem dos 80 anos do nascimento de Maria de Lurdes Pintasilgo, revisito “as dimensões da mudança” de que ela tanto falava. Em texto de 1978, muito interessante e cheio de actualidade, fala-nos da crise.
As crises põem a claro as nossas vulnerabilidades ou a nossa forma de reacção aos factores de vulnerabilidade.
Como reagimos nas situações de um desastre ou a circunstâncias traumáticas de vida como, por exemplo, nos casos de perigo de vida ou doença, fome, perdas importantes, solidão, reduzida ou nula capacidade de resolução de problemas .
As reacções às crises podem ser as mais diversas. Veja-se o que acontece nas situações de tremores de terra, tsunamis ou outros desastres.
Como a M. L. Pintasilgo, certamente, as nossas crises e as crises da sociedade sempre nos apanharam de surpresa.
Como ela refere: “Crises em mim própria - quantas situações sem saída a perturbarem a linha sem labirintos que queria seguir.
Crises das pessoas - a perturbarem subitamente a confiança mútua, a abalarem as solidariedades laboriosamente criadas...
Crises das sociedades - a perturbarem a «ordem» estabelecida, a mostrarem a precariedade de todas as coisas... Subitamente, a sensação de suspensão no vazio, de interrogação inquieta. Onde vai desembocar a crise?
Será ela prenúncio de uma situação sem saída a agudizar-se cada vez mais, ou anúncio de uma nova porta que se abre? Será ela o perigo, o confronto último com a inviabilidade de qualquer solução ou a oportunidade para descobrir o «inédito viável», escondido pelas mil artimanhas da rotina instalada? …”
“Crises das relações: … Inesperada a sensação de que já não é o outro que no outro fala e age, que já não somos nós que o outro vê e acolhe, mas um outro de nós que desconhecemos. Continuam a circular palavras e até gestos. Mas as palavras passam a ser objectos em si e não meio de comunicação; fazem o seu caminho entre nós e o outro independentemente de qualquer relação, por isso são ouvidas em outro código; a emissão e a recepção deixaram de ter uma linguagem comum. E os gestos passam a não ser nada, a não conter o que pretendem significar, tornam-se desastrados, partem as pontes, desfazem os laços. Abre-se então a crise da grande solidão.”
"Fácil é reduzir as crises aos epifenómenos políticos em que se traduzem..."
acusando-se os políticos uns aos outros pela responsabilidade da crise, atirando para outros sempre o que se fez de errado e auto-vangloriando-se com a chamada obra feita.
Crise também do projecto social. A crise das instituições é crise de decisão, de organização e de pessoas.
Se as escolas, os hospitais, as empresas não funcionam onde estão as pessoas para as fazerem funcionar ?
Já percebemos que não há, hoje, projecto social. Porque ainda não compreendemos nem o porquê nem o para onde do empenhamento que nos pedem.
E como já fomos surpreendidos várias vezes… a palavra, os gestos passam a não ser nada…
Mas a reconstrução é possível e podemos tornar “o inédito viável”.

13/01/10

Reforma ? É só fazer as contas...


Há uma fase da nossa vida em que somos idosos, estamos na 3ª idade, somos séniores ou velhos, enfim, termos que vamos usando para definirmos a idade mais avançada.
Para Erikson estamos no estádio VIII que chama de adulto tardio ou da maturidade. Começa após a reforma, quando os filhos já saíram de casa e temos mais de 60 anos.
É bom chegar a esta etapa da vida, penso. Significa que se ultrapassaram muitos problemas.
A tarefa principal é, no entanto, conseguir chegar aqui com integridade do EU, com um mínimo de desespero.
Há um distanciamento social em relação ao trabalho e à família e pode-se acreditar que já não se é necessário, porque está tudo feito, e existe um sentimento de inutilidade biológica porque o corpo já não responde como antes mas também de inutilidade social.
A integridade do EU significa que somos capazes de olhar e aceitar os acontecimentos do passado e aceitar a vida tal como se viveu mesmo se tomámos algumas decisões erradas.
É a idade da sabedoria que é uma pessoa sentir-se verdadeiramente grata por viver com simplicidade, ser gentil e generosa e ser capaz de encarar a morte sem medo.
Queremos chegar a esta etapa da sabedoria mas, nestes tempos, estão a acontecer várias indicações de sinal contrário.
A preparação para a reforma praticamente não existe e além do mais é difícil, neste quadro, fazer opções racionais.
Não faz sentido que se diga “é bom ires para a reforma para dares lugar aos novos” e ao mesmo tempo se diga que é importante que os séniores continuem a ser pessoas activas, continuem a trabalhar nos sectores onde têm sabedoria para darem o seu contributo à sociedade.
Também não faz sentido que se diga: ou vais para a reforma agora ou se fores daqui a um, dois anos vais ser prejudicado no valor da reforma.
É o que se passa hoje: as pessoas têm que fazer as contas para saberem qual a melhor altura para se reformarem.
Estes sinais contrários mais uma vez não nos ajudam a definir o que queremos como sociedade. Queremos que os idosos trabalhem mais tempo, isto é, que se mantenham mais tempo como activos ou não?
Se não queremos, estamos a preparar as respostas sociais adequadas, tais como: a preparação para a reforma, os equipamentos sociais, os centros de dia, lares humanizados, cuidados de saúde, parques de manutenção de vida com qualidade, etc. como acontece em países mais evoluídos?
O que estamos a fazer para que as pessoas idosas consigam esta integridade do Eu?
Uma sociedade avançada também se caracteriza pela forma como integra e trata os idosos e não apenas por aqueles projectos que alguns políticos acham que são importantes.
Mas este não é um assunto fracturante e os senhores deputados também não têm este problema das reformas.
Os cidadãos com mais idade podem continuar a fazer as contas...

07/01/10

Líderes servidores

A “Fundação europeia para a melhoria das condições de trabalho e de vida” revelou em estudo efectuado em 2007, que Portugal se situava na cauda da Europa no que diz respeito à satisfação com a chefia.[1].
Hoje há ainda políticos, militares, executivos, catedráticos empresários, banqueiros que são (ou foram) lideres que se baseiam na arrogância, autoritarismo e individualismo que são aspectos que conduzem à insatisfação nas organizações.
Utilizam cargos, dinheiro, títulos e influência para demonstrar a sua força e ditar as regras, eliminando qualquer possibilidade de diálogo.
Estes lideres ocupam uma posição privilegiada dentro da organização e o seu poder vem muitas vezes de nomeações político-partidárias. Não é um poder que lhes vem da cidadania ou da sua competência técnica e profissional.
Mas há outra forma de liderança: a liderança servidora é justamente o oposto desta liderança arrogante.
Mas o que é a liderança servidora ?
O termo foi introduzido, em 1970, por Robert K. Greenleaf no ensaio The Servant as Leader (“O servidor como líder”).
Não é, portanto, um conceito novo.
Na liderança servidora não existe o culto da personalidade, o salvador da pátria, mas gente comum, com um forte desejo de servir os seus concidadãos.
Liderar não é ser 'chefe'. Liderar é servir. E ao contrário do que se possa pensar, as lideranças servidoras não são lideranças fracas nem frágeis.
O que é que as pessoas esperam e admiram nos seus líderes ?
Que sejam honestos, competentes, inspiradores e visionários (inquérito efectuado a 75.000 pessoas, J. Kouzes e B. Posner, citado por Roberto Carneiro. Ver aqui o PowerPoint Liderança e gestão na direcção das escolas)
A nossa organização sócio-política ou a nível da liderança das empresas e das chefias intermédias não necessitará de lideres servidores ?
Provavelmente se tivéssemos lideres servidores a actual crise nunca teria existido e teríamos poupado grande sofrimento às pessoas que entretanto ficaram no desemprego e entraram no campo da pobreza e do desespero.
O que é interessante é podermos verificar que de vez em quando surgem lideres que provam que essas características são as realmente importantes para a liderança.
Afinal havia uma ministra da saúde que tem mostrado que se pode ter uma liderança diferente do ministro anterior. O mesmo, espero, se está a passar no sector de educação. Há agora uma ministra que sorri, que dialoga, que acredita nas pessoas. Felizmente para os alunos e professores.. E estas qualidades não pesam um cêntimo no orçamento.

Segundo Greenleaf, o líder servidor deve ter em conta 10 princípios: [2]
1. Escuta - Os lideres são valorizados pela sua capacidade comunicacional. O Líder Servidor escuta intensamente o outro… e esforça-se continuamente por ouvir a sua voz interior: o que o seu corpo, a sua mente a sua consciência lhe dizem.
2. Empatia - Procura sempre aceitar o que há de específico único na outra pessoa, colocar-se no lugar do outro para ver a realidade de outro modo.
3. Cura - O poder da cura é uma força enorme de transformação e integração. O Líder Servidor tem o grande potencial de curar-se a si e ao outro, na permanência , na procura da integridade e do todo
4. Consciência do outro - O líder servidor não teme os desafios, o desassossego da busca interior que leva à auto consciência das fraquezas e fragilidades pessoais. A consciência da sua pequenez fá-lo mais atento ao outro.
5. Persuasão - Persuasão e inspiração mais do que exercício de autoridade é a forma como o Líder Servidor convence os outros
6. Conceptualização - O Líder Servidor desenvolve a capacidade de “sonhar grandes sonhos” de olhar para o problema de forma a transcender a sua realidade limitativa.
7. Antecipação - O Líder Servidor compreende as lições do passado as realidades do presente para pensar a construção do futuro. O Líder Servidor cultiva sem descanso a mente intuitiva.
8. Direcção e orientação - Uma boa orientação a todos mobiliza: líder, liderados, directores e colaboradores, para a realização do bem da sociedade.
9. Compromisso - com o crescimento das pessoas que estão à sua volta; dimensão pessoal, profissional, espiritual.
10.Comunidade - Sem integração na comunidade o indivíduo está perdido O Líder Servidor é um empreendedor social. Um produtor de capital social em todas as instâncias em que está empenhado.


[1] Patrícia Jardim da Palma, "Liderança servidora", Sol , 18.12.2009

[2] Com base no PowerPoint referido.