30/12/10

PIB/FIB

Falar de felicidade nos tempos de crise profunda que correm parece ser uma tarefa arriscada. Apesar disso, desejamos boas festas e próspero ano novo aos nossos familiares, amigos ou simplesmente conhecidos.
Tem vindo a opor-se Felicidade Interna Bruta (FIB) ao Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, para além do crescimento económico e do desenvolvimento material, o verdadeiro desenvolvimento de uma sociedade humana depende também do desenvolvimento espiritual, complementando-se e reforçando-se mutuamente. Os quatro pilares da FIB são a promoção de um desenvolvimento socio-económico sustentável e igualitário, a preservação e a promoção dos valores culturais, a conservação do meio-ambiente natural e o estabelecimento de uma boa governação.
Não sei se a fórmula será esta. Sabemos que as emoções e os sentimentos negativos, como a tristeza, a angústia e a raiva influenciam a saúde.
Os psicólogos, desde há cerca de vinte anos, falam da "psicologia positiva" (Seligman) que visa determinar o peso das emoções positivas no equilíbrio físico e mental.
O estudo de pacientes deprimidos, procura respostas para compreender quais são as raízes da felicidade.
Hoje a depressão é dez vezes mais frequente do que era em 1960.
Além disso, a depressão atinge pessoas cada vez mais cedo.
Algumas pessoas procuram a felicidade no dinheiro e no poder de compra.
É evidente que uma situação financeira confortável ajuda. Mas é um erro pensar que, quanto mais dinheiro, mais satisfação. Especialmente se, para consegui-lo, se sacrificam outros aspectos. (Seligman)
A riqueza tem uma baixa correlação com o nível de felicidade. Os ricos são, em geral, só um pouco mais felizes que os pobres.
Nos Estados Unidos, enquanto o rendimento aumentou 16% nos últimos trinta anos, o número de indivíduos que se consideram muito felizes caiu de 36% para 29%.
Quanto ao poder de compra verifica-se que há países muito pobres, como o Bangladesh, por exemplo, que têm, na média, menos pessoas felizes que países como os Estados Unidos, mas também é verdade há países onde as pessoas têm um poder de compra quase quatro vezes maior do que outros e são menos felizes.
Portanto, a felicidade não está necessariamente associada a mais dinheiro ou a mais poder de compra.
O problema é que muitas pessoas têm tudo para serem felizes e não o são, isto é, há pessoas que quanto mais têm mais querem.
Essas pessoas acumulam bens materiais, realizações e sucessos. Passam a encarar o status e o conforto que alcançaram como se fosse um dado da natureza.
Com isso, começam a ficar insatisfeitos e a querer sempre mais. É claro que tal atitude causa frustração. Por esse motivo, lidar com a felicidade pode ser tão difícil quanto enfrentar a infelicidade.
Vejamos o que acontece com os ídolos com pés de barro,do nosso tempo ou do passado.
Pode acontecer que a felicidade não seja vista como uma caraterística da personalidade "eu sou feliz” ou “eu não sou feliz”, mas como uma felicidade momentânea que vai perdendo o seu impacto.
O grande desafio é manter o nível constante de felicidade.
Quem ganha a lotaria ou o euromilhões, após esta euforia momentânea, regressa ao seu nível básico de felicidade.
Também é verdade que quando passamos por um acontecimento muito triste também somos capazes de regressar a esse nível básico de felicidade.
Para o novo ano, como Seligman, proponho que a conquista da felicidade seja um exercício diário, feito com gentileza, originalidade, humor, optimismo e generosidade.

(Entrevista a Martin Seligman, VEJA on-line, Edição 1844, 10 de Março de 2004)

27/12/10

Reacções de aniversário


Há dias especiais na vida das pessoas como os dias de aniversário e os dias festivos.
Como refere Bettelheim, “Os dias de festa dão forma à nossa maneira de ver a vida tanto positiva como negativamente”.
A reacção de aniversário surge quando recordamos um dia em que ocorreu um acontecimento muito infeliz, como, por exemplo, a perda de alguém muito próximo.
E todos nós temos dias destes.
Estas vivências depressivas tendem a ser mais valorizadas na altura dos aniversários ou em dias festivos como o Natal. No Natal sentem-se com mais força as tragédias resultantes dos acidentes de trânsito, a falta de paz em muitas zonas do globo, a falta de paz nas famílias, a falta dos pais ou a falta dos filhos, real ou simbólica, devido a mortes, separações, ausências e abandonos.
É nestes dias que a força destrutiva das reacções negativas aumenta a importância dos dias de festa.
Por outro lado, “as reacções positivas de aniversário são muito menos espectaculares e portanto menos susceptíveis de ser observadas”.
Nestes dias, as relações interpessoais deviam ser pacíficas e sem conflitos. Mas é, exactamente, nestes dias que os conflitos estão mais presentes aumentado a ansiedade.
Há uma paradoxal melancolia dos dias de festa. O vazio das lembranças: Os avós, os pais ou os filhos desaparecem tornando mais dolorosos estes dias.
O poema de David Mourão Ferreira, "Ladainha dos póstumos natais", retrata bem estes acontecimentos da nossa vida:

Há-de vir um Natal e será o primeiro
Em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há-de vir um Natal e será o primeiro
Em que não viva já ninguém meu conhecido
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
O Natal é a celebração de um nascimento e, portanto, da existência e da presença de alguém.
O que é paradoxal, neste dia, é que se trata de comemorar a presença das ausências. É, então, uma lembrança de não existência e de perda.
As pessoas com dificuldades emocionais revelam mais as suas angústias muitas vezes traduzidas nas frases “detesto o Natal” ou “detesto fazer anos”.
Assim, nestes dias festivos como o Natal, pode acontecer que surjam reacções em que haja mais “ausentes” do que “presentes”.
Então, não devemos celebrar os aniversários, não devemos celebrar os dias festivos ?
A celebração destes dias pode ser uma forma de trazer felicidade a nós próprios e aos que nos rodeiam na medida em que podemos reviver de uma forma feliz um acontecimento infeliz do passado, da nossa infância.
É por isso que devemos arranjar belos dias especiais para os nossos filhos e gozar esses dias da forma mais feliz que pudermos.
Estas datas festivas podem ajudar os filhos a terem uma evolução positiva. Por outro lado, repara experiências negativas da nossa vida. Estes acontecimentos felizes podem ir colmatar até um nível muito profundo experiências muito infelizes do nosso passado.

(Bettelheim, B. (1994). Bons Pais - O sucesso na educação dos filhos, Venda Nova: Bertrand Editora.)

15/12/10

Infortácticas: segredos e fugas de informação

WikiLeaks é uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia. O site, lançado em Dezembro de 2006 foi mantido em segredo até Janeiro de 2007, e, em meados de Novembro de 2007, já continha mais de um milhão de documentos.
O seu director é o australiano Julian Assange, jornalista e ciberactivista.
Em Janeiro de 2010, a equipa da WikiLeaks era constituída por menos de dez pessoas, mas especula-se que a WikiLeaks conte com mais de mil voluntários.
A WikiLeaks já recebeu vários prémios para os novos media, como prémios da revista The Economist, em 2008, e um prémio da Amnistia Internacional, em 2009.
Mas qual é então o problema ? É que a Wikileaks tem vindo a publicar, com origem em fontes anónimas, documentos, fotos e informações confidenciais, que são fugas de informação de governos ou empresas, sobre assuntos sensíveis e que comprometem o poder.
Um dos assuntos que veio causar grande polémica foi a publicação de documentos secretos, sobre a guerra do Iraque e sobre a diplomacia americana.
Algo está a mudar na comunicação social e no poder da comunicação social.
No entanto, nada disto é novo. A diferença é que os novos poderes de que fala Toffler, e entre eles a detenção de informação, estão aí em força e podem servir-se de meios como a internet.
O secretismo foi sempre uma das tácticas do poder.
Em 1990, dizia Toffler, o Governo dos E. U. A. classifica como secretos cerca de 20 milhões de documentos por ano. Na sua maioria, dizem respeito a assuntos militares e diplomáticos ou a questões que poderiam embaraçar o funcionalismo.
Mas se isso parece pouco democrático e até hipócrita, em outros países é ainda pior. Há segredos para tudo: para as invenções, investigações, justiça,  indústria, estatísticas…
E porquê o segredo ? "Porque o segredo é um dos instrumentos habituais do poder repressivo e da corrupção."
Mas o segredo também tem aspectos positivos dado que não vivemos num mundo idílico mas neste mundo há também ditadores, pequenos ou grandes, narcopolíticos e teólogos armados … e os segredos são necessários para proteger a segurança principalmente a militar.
Os segredos dão origem à segunda infortáctica mais comum: a táctica da fuga guiada...
Diz Toffler, o problema dos segredos é que alguns segredos são guardados, mas outros fogem. Quando a fuga é involuntária trata-se apenas de um segredo ineficazmente guardado. Fugas deste género lançam os funcionários numa demência profunda.  Em contrapartida as fugas guiadas são mísseis informacionais conscientemente lançados e com alvos calculados com toda a precisão.
Há riscos, como diz Pacheco Pereira, como o risco de se tornar uma plataforma desejada para grandes operações de desinformação ou o risco que a protecção pessoal  pode correr com estas "revelações"...
Se forem tidos em conta estes riscos, podemos então dizer que o mundo está hoje mais transparente e mais seguro. O poder  tem mais explicações a dar e tem que ser menos abusivo.

09/12/10

Um programa de governo

Maslow estabeleceu um conjunto de necessidades do ser humano que começam pelas necessidades relacionadas com a etologia e que são a base da sobrevivência individual e da espécie. Passam em seguida pela segurança, pela auto-estima e pela realização.
De facto o ser humano desenvolve-se ao longo da sua vida desde a concepção até à morte tendo em conta um conjunto de factores que devem estar presentes nesse processo.
A começar pelas necessidades biológicas ou básicas, tais como, a sede, a fome, o sono, a habitação, a protecção contra a dor, o desejo sexual, ou seja, as necessidades vitais para o organismo.
Vêm a seguir as necessidades de segurança, de sentimentos de protecção, de defesa perante eventuais situações de perigo e contra ameaças ambientais e as necessidades sociais e afectivas, tais como a participação, a amizade, o afecto, o amor, a aceitação por parte dos outros.
Quando as necessidades não estão suficientemente satisfeitas o indivíduo torna-se hostil e agressivo na relação interpessoal. Se estão satisfeitas, geram-se sentimentos de auto-confiança, de prestígio e facilitação das relações interpessoais.
As necessidades de estima, que estão intimamente relacionadas com o modo como o indivíduo se vê e avalia envolvem sentimentos de auto-apreciação, auto-confiança, necessidade de aprovação social, de respeito, prestígio e de consideração.
As necessidades de auto-realização estão relacionadas com a competência e o sucesso.
Parece evidente que a pessoa procura primeiro satisfazer as necessidades básicas (alimentação e habitação) antes de voltar o seu comportamento para a satisfação das necessidades de auto-realização. As necessidades de sobrevivência e de segurança devem ser satisfeitas para que uma necessidade de ordem mais elevada entre nas preocupações conscientes da pessoa.
Este conjunto de necessidades humanas podia ser um bom programa de governo. A estratégia passa por ter em conta o que são as necessidades básicas do indivíduo.
Não adianta vir para a comunicação social dizer que andamos tristes e o que é preciso é elevar a auto-estima dos portugueses quando as necessidades básicas não estão asseguradas. É uma espécie de insulto a quem passa dificuldades.
Se adoptássemos este programa de governo dispensávamos as grandes obras de fachada que podem aumentar a nossa reputação mas nos torna moralmente miseráveis face aos cidadãos sempre que é construída mais uma autoestrada desnecessária e mais pessoas entram na fase de não assegurarem as suas necessidades básicas.
Há discussões na nossa sociedade que só fazem sentido quando são significativas para as pessoas. O que quer dizer greve para um desempregado. O que significa auto-estima para uma pessoa que não tem alimentação nem habitação ?
Motivar as pessoas é encorajar o desenvolvimento dos seus recursos no sentido da competência e da autonomia.

04/12/10

Acessibilidades

Em Castelo Branco, perto de várias escolas (EB Afonso de Paiva, EB S. Tiago, APPACDM) e do hospital, encontra-se esta linda obra para complicar o que era fácil. Por que raio foi interrompido o passeio  com escadas e rampa ? Está ali há anos. Incomoda mesmo quem não tem problemas de mobilidade.

03/12/10

Dia internacional da pessoa com deficiência

Muito tem mudado, positivamente, relativamente às pessoas que têm dificuldades na sua integração na comunidade.
Tudo o que se possa fazer em favor destas pessoas não é demais.
Como referíamos noutro local, a integração é de sempre, de todos os dias. Até porque quando umas barreiras se abatem, outras , muitas vezes imprevistas, invisíveis ou insuspeitas se levantam.
Este dia são todos os dias do ano. Por isso, aqui , com dificuldades, luta-se para dar o apoio psicopedagógico que estes alunos precisam.
Aqui não se deixa ninguém à porta da escola. Esta é uma grande vantagem em termos humanos para estas crianças e uma grande coragem e honra de estar ao serviço dos que mais precisam.
A escola, a escola pública é também para estes alunos, e as estruturas e os apoios deviam ser pensados para cada caso concreto.
Já neste blogue nos insurgimos contra a cegueira dos rácios. Não é a mesma coisa uma escola que tem 5 ou 50 crianças com NEE. Os apoios de estruturas físicas, materiais pedagógicos, novas tecnologias, ajudas técnicas e recursos humanos não podem ser os mesmos.
É lamentável que haja escolas públicas que nunca tenham vagas quando um aluno com dificuldades lhes bate à porta.
É lamentável que depois do Ano Internacional do Deficiente (1981) ainda haja quem faça selecção dos alunos que devem frequentar as escolas. Esta é, também, uma das barreiras, invisível, silenciosa, que deve ser destruída.

Disciplina

Um dos problemas que mais afecta a escola e a sala de aula está quase sempre relacionado com problemas de comportamento: a indisciplina. São alunos que têm dificuldade em distinguir entre a sala de aula e o recreio, entre a sua vontade e a dos outros, entre os seus limites e os limites dos outros.
Não é fácil lidar na escola e na sala de aula com alunos indisciplinados. O que se faz com um aluno que, por exemplo, no tempo de uma aula, vai à casa de banho, fala constantemente com os colegas, mexe, lê, escreve no trabalho do colega, mexe na colega, põe a cabeça no ombro da colega, levanta-se várias vezes da cadeira, diz, inclusive, que é hiperactivo e que toma medicação, desculpabilizando de alguma forma o que está a acontecer, faz intervenções descontextualizadas...
Este comportamento é suficiente para rebentar com qualquer tentativa de haver uma aula com um mínimo de aproveitamento. Imagine que são dois alunos com estas características ou  imagine que ainda tem alunos com outros problemas...
Normalmente, são alunos com comportamento de manipulação do ambiente da sala de aula, dos colegas e dos professores mas que não estando classificados como comportamento patológico, são destruidores da relação pedagógica e de um ambiente favorável às aprendizagens.
Falando com professores, sujeitos a este quotidiano, verifico que muitas vezes é difícil encontrar estratégias que funcionem com estes alunos.
É fácil sugerir as estratégias que vêm nos manuais. Mas o desfasamento das soluções vindas de psicólogos e técnicos que não estão no terreno, na escola, a milhas da realidade, faz com que não sejam eficazes.
Os professores têm que lidar e ultrapassar, diariamente, o problema. Não é um projecto, não é um programa sobre disciplina ou uma intervenção pontual sobre o assunto.
A compreensão deste fenómeno não pode excluir a participação dos pais que estão de boa fé e querem compreender o que se passa com os filhos porque a disciplina começa em casa e começa desde muito cedo.
Com alguma experiência, de alguns anos, já não me atrevo a propor simplesmente ao professor: tem que arranjar estratégias.
Sabemos que esse problema não se resolve de uma vez. A educação destes alunos faz-se todos os dias e é um projecto a longo prazo e com muitas repetições.
Perante alunos desobedientes, que apresentam aqueles comportamentos ou outros e que pura e simplesmente não ouvem o que se diz, alguns professores podem ter a tentação de quererem resolver o problema com medidas drásticas.  Mero engano. Estas medidas nada resolvem.
Fico apreensivo e lamento quando um professor diz que perdeu a cabeça e tomou medidas dessas. Mas, não concordando, também tenho cada vez mais dificuldade em julgá-lo.
Brazelton, fala-nos de formas de disciplinar as crianças e do que vale a pena experiementar, do que pode ser útil utilizar e do que é inútil experimentar.
Vale a pena experimentar:
- Os avisos podem ajudar a crianças a estabelecer limites em relação a actividades de que não quer prescindir.
- O silêncio às vezes é a melhor estratégia.
- Ir fazer uma pausa num determinado lugar da sala.
- Repetir as coisas da forma certa, dar a oportunidade a criança de fazer bem.
- Reparar o mal feito: pedir desculpa, pagar o que partiu, devolver o que roubou, repetir a acção de forma correcta.
- Planear alternativas dado que muitos comportamentos problemáticos são previsíveis e podem ser discutidos previamente.
- O humor pode ser uma forma agradável de ajudar a criança a controlar o seu comportamento
Algumas vezes é útil:
- Retirar os brinquedos.
- Cancelar convites para brincar ou adiar actividades agradáveis
- Proibir televisão ou jogos de computador
- Ignorar o mau comportamento
- Sair de cena - a criança pode gostar de ficar sozinha sem a presença do adulto.
- ter uma tarefa adicional para reparar o que fez errado.
- Suspensão da mesada
São inúteis medidas como:
- Castigos corporais
- Vergonha, humilhação.
- Lavar a boca com sabão.
- Comparar as crianças umas com as outras.
- Suprimir comida ou usá-la como recompensa.
- Deitar mais cedo ou fazer uma sesta extra.
- Retirar o afecto, ameaçar com o abandono.

(Brazelton, T. B. e Sparrow, J. D. (2008). A criança e a disciplina, 10ª Ed., Queluz de Baixo: Editorial Presença.)

25/11/10

E agora ?

Enquanto Hitler  invadia a Rússia, a Alemanha continuava a receber carregamentos de minerais vindos da Rússia porque Estaline apesar de ter sido informado do plano de Hitler não acreditou nessa informação. Esses carregamentos de minerais destinavam-se a fabricar as armas que seriam enviadas para a Rússia que iam servir para matar o seu próprio povo.
Mutatis mutandis, tivemos a oportunidade de perceber o que se passava com o governo de Guterres quando falou no "pântano". Mas ninguém acreditou.
Houve um 1° ministro, Durão Barroso, que disse que o país estava "de tanga", e um senhor presidente que o contradisse porque havia "mais vida para além do défice". Não acreditou.
M. Ferreira Leite, avisou e continua ainda a avisar como a voz que clama no deserto. Mas ninguém acreditou. ..
O orçamento de Bagão Félix não dava magalhães  nem SCUTS. Mas ninguém acreditou.
A Assembleia foi dissolvida por trapalhadas que ninguém soube, ou sabe hoje, verdadeiramente, quais eram, e que comparadas com as trapalhadas actuais ficam nos primórdios da trapalhice.
Assistimos à maior falta de solidariedade política em relação a Santana Lopes e ao seu governo, não só dos adversários políticos, que desses nada seria de esperar, contrariamente aquilo que se passa com Passos Coelho em relação a Sócrates, mas dos correligionários e próximos do seu partido.
Nada disto era importante se não tivéssemos chegado a este ponto.
O golpe funcionou:  Por duas vezes se votou na voz embaladora e mentirosa da sereia da ostentação.
Continuam a querer vender-nos um estado social que simplesmente não existe e as sondagens estão aí para mostrar que, estando o país empobrecido, havemos de viajar para Madrid de TGV.
Os magalhães estão, provavelmente, quase todos inutilizados mas foi bonito ver os estudantes de computador na pasta que para pouco mais serviram, com raras excepções...
Mesmo quando  se fornecem refeições gratuitas aos alunos, se abrem as cantinas nos fins de semana e durante as férias para as crianças não passarem fome.
Este atavismo não é actual. Sempre gostámos de ostentação.
No dia seguinte à greve geral cabe perguntar: E agora?
Para que vai servir o meu voto, a única arma consequente, nas próximas eleições? Para quem fala verdade, mesmo que seja difícil escutá-la, ou para os que prometem tudo a todos sem esperarem nunca cumprir as promessas feitas? Com toda a informação que temos, continuamos a acreditar apenas no que queremos. 
Para além do protesto que fica da greve geral é necessário fazer alguma coisa: votar contra as falsas promessas e contra a mentira.
A única arma de que um cidadão, como eu, dispõe, realmente, e  pode causar efeitos concretos é uma arma democrática: um voto.

24/11/10

personalidade-base


«A maior desgraça da nossa história, a infeliz campanha de Alcácer Quibir, em que desapareceu D. Sebastião, com a élite militar do seu tempo, não passou de um grande sonho vivido, de trágicas consequências. Mas a história está cheia de curiosos episódios, como o do Magriço e os Doze de Inglaterra, que vão defender em torneio umas damas ultrajadas por cavaleiros ingleses, a comprovar o fundo de sonhador activo do Português. Além disso, o desprezo pelo pelo interesse mesquinho e o gosto pela ostentação e pelo luxo nunca nos permitiram o aproveitamento eficaz das grandes fontes de riqueza exploradas. Os tesouros passavam pelas nossas mãos e iam-se acumular nos povos mais práticos e bem dotados para capitalizar, como os Holandeses e os Ingleses. Soubemos traficar, mas faltou-nos sempre o sentido capitalista. No século XVI, quando Lisboa era o grande empório do Mundo, sob o brilho do luxo já se ocultava a miséria. Gil Vicente descreve os fidalgos cobertos de rendas e brocados, com a sua corte de lacaios, mas sem dinheiro para comer. Ao contrário dos povos burgueses do Norte e Centro da Europa, o nosso luxo não é um requinte que resulte do conforto, é-lhe quase oposto; é mero produto da imaginação, e não dos sentidos. Ainda hoje temos as camas mais duras da Europa e as ruas estão repletas de automóveis de luxo. São poucas as casas ricas com aquecimento e muitas delas não têm uma sala de estar. Mas essas mesmas casas têm salas de visitas ou até salões de baile cheios de porcelanas da Índia e da China. As pessoas modestas, cujas casas são despidas do mínimo conforto, andam nas ruas vestidas com elegância ou com luxo. Um pequeno empregado de comércio, de pouco ilustração e educação, faz mais figura na rua do que um intelectual alemão ou suíço de boa família e com recursos. Da mesma maneira, qualquer empregadita, que mal ganha para se alimentar, anda vestida impecavelmente e pela última moda.» (pg.31-33)

17/11/10

Deixar de fumar

O problema da mudança de comportamento no caso do tabagismo tem vindo a merecer importância na nossa sociedade. Até há um dia do não fumador .
Este progresso deve-se à intervenção de várias pessoas e instituições que a partir dos anos 80 lutaram para que houvesse uma mudança substancial no consumo de tabaco como Fernando de Pádua e Manuel Barão da Cunha.
Fizeram-se progressos extraordinários e as estratégias que então definíamos para estas situações no campo da modificação dos comportamentos de risco para a saúde não estão ultrapassadas.
As medidas legislativas têm necessariamente quatro vertentes: medidas legislativas educativas/formativas, informativas, proibitivas, punitivas. Estas medidas devem estar em interligação com a investigação e com a avaliação.
Esta parece-me ser ainda hoje a metodologia para qualquer projecto de alteração de comportamentos prejudiciais à saúde.
A legislação proibitiva e punitiva sofreu grande alteração. Mas verificamos que às vezes ficamos apenas nas medidas legislativas proibitivas e punitivas.
Continuo a estar preocupado com o que acontece nas escolas. Apesar de ser proibido fumar nas escolas, isso não tem tradução directa no comportamento dos alunos. O consumo de tabaco pelos pré-adolescentes e adolescentes não abrandou. A medida proibitiva do consumo de tabaco na escola não reduziu drasticamente o comportamento tabágico.
A grande maioria dos consumidores inicia-se na escola, ou do outro lado do portão da escola. O que não é novidade uma vez que é na escola que passam o dia e é na escola que está um dos factores de pressão mais importantes para começar e continuar a fumar: os pares.
Sabemos também que a educação para a saúde, após tanto estudo realizado, continua a ter pouco significado e pouco impacto na modificação dos comportamentos.
É que mudar comportamentos é a tarefa mais difícil da educação. E não é apenas com medidas legislativas proibitivas e punitivas que isso se resolve.
O que fazer nas escolas ? O que fazer com os alunos ?
Foi positivo terem acabado as salas de fumo para os trabalhadores. Mas fumar ao portão da escola não é a melhor modelagem que podemos ter .
Se para alguns pais é sempre uma surpresa serem informados destes comportamentos dos seus filhos, noutros casos poderão, eventualmente, até ser incentivados em casa.
Há alguns pais que dão dinheiro para a compra de tabaco. Ou, o que é o mesmo, dão dinheiro para o lanche que, sabem ou desconfiam, terá outros fins, dado que não há qualquer controlo em relação a isso.
Há pais que não exercem a modelagem em casa em relação ao tabaco como em relação a outros comportamentos. ...
Então como mudar os comportamentos? Será que queremos mesmo mudar?

15/11/10

Medos e afectos

Casa-Museu Afonso Lopes Vieira
A. tem vindo a mostrar comportamentos pouco racionais na escola e em casa. Situando-se intelectualmente acima da média, tem vindo a sentir dificuldades no desempenho escolar. Mas o pior é quando está numa situação em que tem que se sujeitar aos comentários e às eventuais criticas dos outros. Acaba por falhar na realização e não é capaz do nível de desempenho que à partida deveria atingir.
O problema é tanto maior quanto esta situação é origem de comportamentos também desajustados na família revelando-se na sua incapacidade para ficar sozinho e dormir sozinho, atrapalhando a vida familiar.
Tem também conversões somáticas como vomitar.
Quando se aproxima a situação de ter que ficar sozinho, tudo aparece de novo reactivando estes comportamentos.
Pesquisando sobre o que se passa com os seus medos podemos verificar que eles se enquadram no âmbito do:
- medo do falhanço e da crítica
- medo do perigo, morte e ferimentos
e ainda medo do desconhecido.
Parece, assim, que estamos perante uma perturbação de ansiedade generalizada.
Nesta situação, ansiedade e preocupação estão associadas a alguns sintomas bastando estar um presente no caso das crianças.
Esses sintomas são os seguintes:
- Agitação, nervosismo ou tensão interior
- Fadiga fácil
- Dificuldade de concentração ou esquecimentos devidos a ansiedade
- Irritabilidade
- Tensão muscular
- Perturbação do sono (dificuldade em adormecer ou dormir).
Não podemos aligeirar esta situação não dando relevo a estes comportamentos.
O que acontece para além desses sintomas, é um verdadeiro sofrimento por parte das crianças que manifestam esta perturbação.
Embora os sintomas possam ser físicos a sua origem é psicológica. No entanto, é necessário saber se nada tem a ver com problemas físicos. Além disso, não se pode limitar a descartar o doente com um diagnóstico de “crise de ansiedade” como se isso não tivesse importância.
E muito menos de que se trata de um menino mimado ou que faça o próprio sentir-se pouco racional, desclassificando-o e pensando que é descontrolado dos nervos.
A intervenção psicológica é aqui fundamental e alguém deve conseguir explicar por que razões o seu sistema nervoso reagiu de forma exagerada.
Mas, então, como é que se explica «racionalmente» uma crise de ansiedade generalizada ?
O A. fez uma apreciação exagerada da situação. Por isso é necessário
- reconduzir a ansiedade da criança a uma situação mais real para reduzir a importância dos medos.
- perceber que está a chamar a atenção para a sua vida familiar.
- que há um sofrimento imenso que é preciso ajudar a ultrapassar.
- Compreender que o nosso tipo de vida, cheio de stresse e de raivas, produz dentro de nós medos, como aqueles que se escondem debaixo da cama do A..
Cortar o círculo vicioso do medo é difícil, mas fundamental. Não se consegue apenas com ansiolíticos. É necessária a ajuda de um psicoterapeuta que através do trabalho interior pode levar a uma vida normal, mesmo que o medo do medo não desapareça completamente.
Este trabalho interior passa pela família que novamente está no centro desta situação.
O medo de perder as pessoas do afecto pode ser o problema essencial.
E então estamos no campo da perturbação de ansiedade de separação.
Enfrentar os medos é o caminho de quem é mais forte do que o próprio medo e com a ajuda dos técnicos e da família é possível ultrapassar.

12/11/10

Nem direitos adquiridos nem compromissos assumidos?

Parece que não ficará pedra sobre pedra no final desta tristíssima governação.
O “estarmos de tanga”, de Barroso e o “estarmos no pântano”, de Guterres, verdades como punhos que nos doeram e doem mas que são honestas, correctas e realistas, virou farsa completa. Um fim de ciclo arrepiante para quem ainda tem valores.
Os valores dos compromissos assumidos.
Os direitos adquiridos já não existem. E a qualquer momento cada cidadão espera (o) pior.
Houve tempos em que a palavra bastava. Hoje, o compromisso pode estar escrito, timbrado, selado e avalizado que pode ir para o lixo quando a parte mais forte, o estado, isto é, o governo, assim o entende.
Transferiram serviços para as autarquias como o serviço não docente da educação.
Assinaram acordos. Assumiram compromissos.
Para quê? Acusam-se mutuamente de que um deve ao outro e outro diz que está tudo pago.
O que se passa com a gestão de pessoal é um pesadelo.
Agora é a ADSE. O trabalhador fica dependurado com os recibos dos médicos porque a autarquia diz que não é com ela. E a ADSE diz que o trabalhador é da autarquia.
Os resultados da avaliação de desempenho são letra morta.
Os recursos humanos da educação são cada vez mais escassos...
Este povo trabalhador, ordeiro, respeitador, com valores, perdeu os direitos adquiridos e, pelos vistos, também já não merece os compromissos assumidos.

A queda

"Julgando que seguiam uma raiz até lá ao fundo, Curvaldo e Ferdibunda foram dar à ponta de um ramo.
- Mas isto não é uma passagem subterrânea... Estamos no vazio... O ramo está a ceder, vou cair, socorro!"

Italo Calvino, Um mistério no labirinto.

10/11/10

Dislexia


Um dos problema escolares que mais preocupa os educadores, pais e professores, é, no início da escolaridade, a aprendizagem da leitura e escrita.
Os pais são confrontados pela primeira vez com as dificuldades que os filhos apresentam na escola. Uma dessas dificuldades diz respeito à dislexia
Ao contrário do que parece, porque com alguma facilidade se fala de dislexia em relação a um aluno que encontra dificuldades de leitura, convém dizer que não há consenso sobre este assunto da dislexia. Nem quanto à sua etiologia nem quanto ao seu tratamento.
É um problema grave que atinge percentagens de 5 a 10% na população escolar.
Alguns consensos no entanto têm sido encontrados. Trata-se de uma questão genética.
Os pais de crianças disléxicas sempre tiveram consciência de que, ao aprender a ler, os filhos passam pelas mesmas dificuldades que eles próprios experimentaram na sua fase escolar.
Há estudos que indicaram o cromossoma 6 e o cromossoma 15 como o foco do problema.
Por outro lado, sabemos que, nos vários estudos realizados há uma grande desproporção entre rapazes e raparigas disléxicas, 70 a 80% dos sujeitos diagnosticados com perturbação da leitura são do sexo masculino, ou seja, uma proporção de 8 a 9 rapazes para uma rapariga.
A dislexia é «uma dificuldade específica de aprendizagem de origem neurobiológica. É caracterizada por dificuldades na correcção e/ou fluência na leitura de palavras e por baixa competência leitora e ortográfica. Estas dificuldades resultam de um défice fonológico, inesperado, em relação às outras capacidades cognitivas e às condições educativas. Secundariamente podem surgir dificuldades de compreensão leitora, experiência de leitura reduzida que pode impedir o desenvolvimento do vocabulário e dos conhecimentos gerais»(Associação Internacional de Dislexia, 2003).
tendo em conta esta , ou outra, definição, deve ser feita a avaliação da dislexia com base num protocolo rigoroso.
A criança deve apresentar determinadas características e sintomas de que destaco os mais importantes:
- A criança deve ter oito anos ou mais.
- Ter atraso na leitura de dois ou mais anos em relação às crianças da mesma idade.
- Velocidade na leitura ser inferior a 50/60 palavras por minuto.
- Cometer erros frequentes na leitura (omissões, substituições, inversões de fonemas).
- Compreensão do texto muito pobre
- Ter uma inteligência normal (ou superior).
- Não apresentar perturbação sensorial (problemas de audição ou de visão).
Perante um aluno que apresenta uma situação destas, a primeira coisa a fazer é que a família estabeleça relações com a escola de forma transparente, no sentido em que os pais devem fornecer à escola elementos sobre o desenvolvimento dos filhos.
As dificuldades só podem ser compreendidas, tratadas e se, for possível, ultrapassadas se a informação entre escola e família funcionar.
Se no 4º ano de escolaridade identificar é muito tarde para identificar uma dislexia,  não devemos entrar em ansiedade quando, no início da escolaridade, encontramos alunos que têm dificuldade em se adaptar à escola e a essa grande tarefa que é aprender a ler.

04/11/10

“Deixem a escola em paz”

Por uma cultura de paz e de não violência

 
M. Filomena Mónica (1) escreveu um artigo "deixem os professores em paz" que pode ser extensivo a toda a escola.
"Há 30 anos ... O ambiente que ali se respirava reflectia a cultura que as crianças traziam de casa: mesmo quando não livresco, o ethos era hierárquico".
A escola, hoje, é diferente da escola de há alguns anos. O papel do professor também é diferente. Mas dentro das diferenças o que deve permanecer? Creio que no fundamental a escola deveria continuar a respirar cultura e hierarquia.
Infelizmente não é o que está a acontecer nas escolas concretas, no terreno.
Algumas estatísticas não traduzem a profundidade do fenómeno da indisciplina, da falta de respeito e da violência.
Alguns profissionais, principalmente os professores já não ligam, não respondem ao questionários sobre indisciplina e violência, não falam sobre o assunto, vão vivendo e vivenciando, às vezes sozinhos, o drama de terem que suportar situações de grande stress e esgotamento.
Fragilizados, alguns são maltratados verbalmente outros chegam a ser batidos por alunos e por encarregados de educação.
O professor é apenas uma parte do sistema mas por isso mesmo o ambiente escolar deve ser sensível às necessidades dos profissionais que ali trabalham. É por eles que começa a humanização da escola. Se forem tratados com violência todo o sistema se ressente.
O que se percebe é que as leis não são de molde a por travão à violência escolar mas ao contrário têm servido para que a acção dos professores seja neutralizada, deixando-os em situações de conflito e às vezes situações humilhantes.
Por exemplo, sabemos que muita da indisciplina acontece nas áreas de enriquecimento curricular (aec's) e provavelmente ela contamina todo o ambiente da escola e da parte lectiva propriamente dita.
Sabemos que muita da indisciplina acontece nos intervalos, no refeitório, sem que se tomem medidas para melhorar esta situação.
E o que se faz com alunos entre os 15 e os 20 anos ou mais que não concluíram o ensino básico ?
É legitimo reter uma criança na escola quando os pais acham que pela sua cultura uma criança não deve ficar na escola quando entra na adolescência ? Se é, que medidas se tomam ?
Além disso, o que choca é que, actualmente, são, ou pelo menos parece que são, os alunos e os encarregados de educação quem dita as regras mesmo nos níveis mais baixos de escolaridade.
Sabemos que as regras devem ser discutidas com os alunos pelo menos com os mais velhos e com os encarregados de educação e uma vez aprovadas devem ser aceites e cumpridas.
O que pensar quando se chega ao ponto em que os encarregados de educação querem que os professores  usem determinadas pedagogias e métodos de ensino porque acham que os seus educandos assim é que aprendem.
A escola é reflexo da cultura que se traz de casa. Se há trinta anos era assim, hoje também o é. Muitas destas situações reflectem uma cultura menos letrada, muitos pais têm níveis de literacia muito baixos, e, o que é mais relevante e preocupante, aparentam níveis de moralidade abaixo do desejável.
Não podemos confundir valores morais com regras convencionais. Estas podem ser alteradas mas os valores nunca o poderão ser, sejam os pais de uma ou outra cultura, letrados ou não.

 (1) Mónica, M. F. (2008). Vale a pena mandar os filhos à escola ? , Lisboa: Relógio d'Água.

29/10/10

O desordenador


Era de esperar, com tantos Magalhães, e-escola, e-escolinha, tantos computadores e-professor, e-oportunidades, com o PTE, em suma, com tantos computadores era de esperar  que as contas batessem bem.
Não.
Os computadores não são os verdadeiros responsáveis mas quem acredita nos progressos das ilusões: as ilusões sociais, as ilusões técnicas, as ilusões da segurança,  mas o mundo continua com a sua crueldade, a sua corrupção, a sua  insegurança...

"Julgar que o computador serve para tudo é correr ao encontro de decepções e de catástrofes sem precedentes. Julgar que o computador não serve para nada, é renunciar a um arsenal de serviços a que nenhum observador de boa fé contestará o valor. O maior perigo para o homem será ceder ao seu temor pela máquina e começar a fugir, ao mesmo tempo, dos benefícios da tecnologia.”

“O desordenador é perigoso: tende a sobrevalorizar as estatísticas, as médias, as massas em detrimento do indivíduo e dos seus sentimentos. A felicidade não é codificável.”

“ Em caso algum um computador poderia ser ridículo. Pelo contrário, em todos os casos, o homem torna-se ridículo quando destina uma máquina a fins ridículos.”

 "O desencanto cresce mais depressa que o progresso. Após as delícias do possível, as brutalidades do real."
Por isso, as contas bateram mal.

28/10/10

A resposta vem no dia seguinte

Sumaúma (Mosteiro dos Jerónimos - Lisboa)

O sistema educativo parece não ter maneira de estabilizar.
A extinção da Área projecto e do Estudo acompanhado porque feita sem qualquer processo democrático de apoio à decisão tem vindo a dar origem a mais instabilidade.
Principalmente, porque são áreas extintas devido a problemas financeiros, embora o executivo diga que é devido a razões pedagógicas e de falta de resultados.
Mas quem introduziu as chamadas novas áreas curriculares (NAC) no currículo? Um governo socialista. Quem é que as vai extinguir? Um governo socialista.
A Área projecto veio substituir a Área-Escola, uma coisa que nunca funcionou em condições e que gastava rios de dinheiro. Lembram-se ?
Sempre defendi que estas NAC não faziam qualquer sentido, com excepção da cidadania ou formação cívica que devia ser uma área disciplinar como qualquer outra, se bem que ela própria seja transversal e também seja tratada nas outras disciplinas.
E concordei ainda menos quando vieram tirar tempo lectivo às artes: à Educação musical e à Educação visual (EVT e EV), à História...
O que agora havia a fazer não seria extinguir mas que fosse reposta a situação anterior e devolver às artes os tempos que lhes foram tirados.
As artes são, em muitas situações, não apenas importantes para a formação integral do aluno, para o ser cultural que cada um de nós é mas também são  estratégicas e motivadoras para as outras aprendizagens.
Foi gastar à tripa-forra com a escola a tempo inteiro e com as novas áreas curriculares tornando o currículo cada vez mais extenso e disperso.
Agora corta-se. A paixão da educação deu lugar à desilusão.
Quanto ao Estudo acompanhado parece que não acaba mas vai ser reformulado. Também aqui era fácil perceber. O que faziam os alunos com níveis  4 e 5 no Estudo acompanhado? Agora propõe-se o estudo acompanhado apenas para os alunos com dificuldades de aprendizagem. Vamos ver como se organiza.
A sociedade que foi posta de parte com estas medidas, como aliás aconteceu com as actividades de enriquecimento curricular (AEC's), não me parece que esteja preparada para dar resposta  imediata a este problema, isto é, às horas que os alunos vão deixar de ter no currículo. Muitos dos tempos livres foram desmantelados. O desporto e as artes que deviam ser cada vez mais desenvolvidos não o foram porque os alunos já chegam exaustos a casa com a escola a tempo inteiro.
Moral da história:  Às vezes lutamos e não conseguimos nada nem que alguém nos oiça.
Às vezes sem fazermos nada, as coisas acontecem.
É por isso que não vale a pena vivermos a instabilidade que os outros nos querem transmitir, porque, afinal, quase sempre, a resposta vem no dia seguinte.

23/10/10

Tá tudo ?

Balanço desastroso. Está confirmado o desastre a que chegou a gestão de recursos humanos desta governação.
As loas à ex-ministra da educação porque era dura e intransigente com os professores chegaram ao fim já que até o prof Marcelo reconheceu na sua última crónica na TVI que afinal a escola pública obteve péssimos resultados no ranking das escolas secundárias. As escolas públicas foram praticamente varridas das melhores 20 escolas.
Um pequeno pormenor, neste faz de conta em que andamos, referido por Ramiro Marques (profblog): uma das escolas com piores resultados, teve uma excelente avaliação externa. Tanta exigência, tanto rigor !
Não será certamente pela suspensão daquele já celebre modelo de avaliação de desempenho, o melhor do mundo, que ficou pelo caminho. Pelo contrário. A avaliar pelo que foi o seu início, a aplicação daquele modelo seria um factor de grande instabilidade, a acrescentar às várias instabilidades existentes.
Quanto ao resto do pessoal do sector, porque há muito mais gente nas escolas do que professores, coisa, aliás, de somenos para o poder, o desastre é igualmente significativo: falta de recursos, carreiras inexistentes ou absurdas, o que é o mesmo, fim dos concursos, inconsequência da avaliação de desempenho, salários baixíssimos (pessoal contratado a 3 € à hora)…
Alguém pode acreditar seriamente numa carreira em que seria necessário viver três vidas para chegar ao topo dessa carreira ?
A solução não poderia passar por acabar com toda a legislação de recursos humanos que criaram durante estes 7 anos de destruição da função pública? A começar pelo dec.- lei 12-A/2008?
E se voltássemos aos concursos públicos para ingresso e acesso, mas a sério?
Esta gestão de recursos humanos culminou agora nessa grande medida socialista que é baixar os salários dos funcionários públicos e afins.
E, como o Herman, numa das suas rábulas recentes temos que nos perguntar se está tudo…
Tá tudo ? Temo bem que não.

21/10/10

A situação dos psicólogos no sector da educação


Foi criada uma rede de Serviços de Psicologia e Orientação (SPO), no Ministério da Educação, através do Decreto-Lei nº 190/91. Pretendeu-se dar resposta aos problemas psicológicos dos alunos, dotando as escolas dos recursos humanos especializados de apoio psicológico.
Depois, o Decreto-Lei nº 300/97, de 31 de Outubro, criou a carreira de psicólogo com as respectivas atribuições e competências integradas no Projecto Educativo de escola e no âmbito do Serviço de Psicologia e Orientação.
Mas qual é a realidade ?
Na administração central, há escolas que têm SPO mas não têm psicólogos colocados. Mas há psicólogos contratados anualmente, independentemente das escolas terem ou não SPO.
Nesta situação em que os Psicólogos são inseridos temporariamente nas escolas, no âmbito de projectos diversos do ME, de projectos das próprias escolas, estes profissionais têm vínculos precários e toda a sua situação laboral é igualmente precária.
No que se refere aos quadros de pessoal, perdão, mapas de pessoal!, há psicólogos que passaram para as autarquias, outros que pertencem ao quadro de vinculação das Direcções Regionais de Educação (DRE) e outros que pertencem à Secretaria-Geral do Ministério da Educação.
No que se refere à Administração Autárquica, existem diversas situações de psicólogos em regime de contratos a termo, de prestação de serviços a recibo verde, de avençados, de trabalho voluntário que, quando terminados os projectos se vêem desligados dos projectos iniciados, sem quaisquer garantias de vínculo laboral nem salvaguarda da contagem de tempo de serviço.
Mas, imaginem, somos um país rico. Ou vivemos como se fôssemos ricos.
O que acontece é que se, por um lado, há enormes falhas, isto é, muitas escolas sem psicólogo, existem também duplicações, triplicações, etc.: crianças que, simultaneamente, são vistas e apoiadas na escola, no hospital, nos hospitais especializados regionais, nos serviços especializados, nas associações de educação, de professores, nos psicólogos particulares, etc..
O mais “engraçado”, é que não há dinheiro para colocar psicólogos nas vagas existentes nos SPO mas há dinheiro para colocar psicólogos nessas entidades e associações que muitas vezes não são outra coisa que extensões político-partidárias onde o longo braço do poder exerce os seus efeitos, captando recursos financeiros mas sem obedecer a regras transparentes de contratação de pessoal.
Não me refiro a IPSS que têm como finalidade o apoio a crianças, jovens e idosos, a trabalhar no terreno, com utentes para dar resposta diariamente e não chegam para as encomendas.
Refiro-me àquele tipo de projecto com o qual e sem o qual se fica tal e qual.
Como muito bem diz o Sindicato, "estas situações revelam os esquemas distorcidos que as diversas entidades têm vindo a encontrar para suprir a falta de psicólogos em contexto educacional."
De facto, não podia haver maior confusão.

19/10/10

Vá lá...pelos alunos

A notícia (200 psicólogos contratados) pode induzir em erro. Afinal, trata-se apenas da renovação de contratos de psicólogos que já estiveram ao serviço no ano passado.
Mas já é um avanço o facto destes profissionais verem renovados os seus contratos.
Sem dúvida é uma vantagem para os próprios.
Mas é, certamente, uma grande vantagem para os alunos com quem eles trabalham.
Sei bem do que falo. Da necessidade que os alunos têm, na escola, de apoio psicológico. Da necessidade de criação e continuidade de uma rede mínima de SPO que possa assegurar este serviço de apoio aos alunos.
Pelos alunos, então.

18/10/10

Sem rumo e sem caminho ...

E eram estes os pensamentos de Curvaldo: «quanto mais tortuoso for o caminho, mais convém ao nosso plano. O que importa é achar o ponto onde as curvas, à força de tanto curvarem, coincidem com os caminhos direitos. No meio de todos os nós de estradas que se enredam na floresta, deste nó é que não encontro a ponta».

Italo Calvino, Um mistério no labirinto.

14/10/10

A cegueira dos rácios

Os rácios utilizam-se em quase tudo. Utilizam-se na vida financeira e na gestão dos recursos humanos.
Um rácio mais não é do que o quociente entre duas grandezas geralmente extraídas directamente da informação da gestão contabilística ou da gestão dos recursos humanos de uma organização..
Às vezes parece que os rácios são uma “bola de cristal” para resolver os problemas da organização e para se ter igualdade no tratamento das várias organizações.
Mas os rácios deviam ser simplesmente um instrumento de apoio da gestão, para sintetizar os dados e comparar o desempenho da organização e a sua evolução no tempo.
Convém alertar que este instrumento tem bastantes limitações, devendo ser usado com prudência, sob pena de se tirarem conclusões no mínimo com pouco significado, senão mesmo incorrectas. Pelo que a sua aplicação posterior pode trazer disfuncionamentos à organização.
E é o que acontece: os rácios são muitas vezes aplicados de forma cega.
Veja-se o que se passa com os recursos humanos no sector de educação.
O início deste ano lectivo foi bastante atribulado no que diz respeito aos auxiliares de acção educativa agora designados por assistentes operacionais. Enfim…
O que acontece é que não são contempladas correctamente as necessidades de auxiliares para as escolas.
Assistimos a manifestações de auxiliares a pedirem mais pessoal para as escolas, vimos manifestações de pais a pediram mais auxiliares para tomarem conta dos filhos. (Exemplos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7).
Nas escolas que recebem alunos com necessidades especiais este problema torna-se ainda mais complexo.
Não é a mesma coisa quando temos 5 alunos com necessidades educativas especiais (NEE) ou quando temos 50 alunos com NEE.
E mais. Cada aluno é um caso muito específico. Há alunos que podem necessitar de um auxiliar quase a tempo inteiro.
Imaginemos, por exemplo, o caso da paralisia cerebral. Há alunos que conseguem ter uma autonomia pessoal nos auto-cuidados muito significativa e há outros alunos em que a autonomia é muito reduzida ficando dependentes do auxiliar de acção educativa na alimentação, na higiene, na locomoção, etc.
Os rácios tratam apenas dados quantitativos. Mas por trás de cada rácio quantitativo e frio há situações concretas e humanas.
Em educação estamos a lidar com estas situações humanas. Isto é, são crianças e jovens que têm problemas especiais e que têm direito a estar na escola e por isso têm de ter um apoio educativo que não se coaduna com os rácios cegos definidos para todas as escolas de todo o país.

11/10/10

Reformas educativas da República

A I República proclamada em 5 de Outubro de 1910, pretendia reformar a mentalidade portuguesa baseando-se na instrução e na educação. Falou-se mesmo, nesse tempo, em "educação republicana".
Esta expressão "educação republicana" foi usada por João de Barros, que escrevia: “A reforma da nossa mentalidade teria de basear-se num profundo e vasto amor à Pátria e à República. Amor que não seja somente a adoração pelos símbolos que nestas palavras se contêm, mas ternura, carinho e paixão pelas realidades admiráveis que elas significam".
Dez dias depois da revolução do 5 de Outubro, publica o diário do Governo o primeiro diploma do Ministério da Guerra em que é nomeada uma comissão para elaborar um projecto de regulamento de instrução militar preparatório. Justificava-se a sua necessidade e urgência: " convém incutir e radicar nos ânimos o espírito militar desde a primeira adolescência... tem que começar na escola primária".
Mas os republicanos conduziram o país por uma via de instabilidade que acabaram em métodos pouco democráticos, “em tudo semelhantes aos que vieram a ser repetidos no regime ditatorial que se lhe seguiu, como seja a vigilância apertada sobre a ideologia política, com realce para o ensino”.
Entre 7 de Julho de 1913, altura em que foi criado por decreto o Ministério da Instrução Pública até ao fim da primeira república, isto é até à revolução de 28 de Maio de 1926, em 13 anos, houve 40 ministros da Instrução.
Segundo João de Barros os republicanos não estavam devidamente preparados para levarem a cabo as propostas contidas na sua Revolução e chega mesmo a afirmar " tem-se por vezes a impressão de que a República surgiu cedo de mais".
Também Reis Machado escrevia em 1918: " O ensino em Portugal, de uma maneira geral, constitui um crime, mais ou menos consciente; é uma calamidade pública, todo ele, desde o primário, em que inicia a sua obra, até ao superior, em que a finda".
Qual foi o alcance das reformas educativas da 1ª república ?
Após a revolução do 5 de Outubro de 1910, um dos objectivos dos republicanos era a redução do analfabetismo. Mas a taxa de analfabetismo global evoluiu do seguinte modo:

Se analisarmos a taxa do analfabetismo de algumas regiões surpreendemo-nos com taxas elevadíssimas como no caso do concelho de Idanha-a-Nova, no distrito de Castelo Branco.
Os 9% da média nacional actual são ultrapassados no Alentejo, com 16%, e no concelho de Idanha-a-Nova, no distrito de Castelo Branco, com 32%.
No último quartel do século XIX eram 85% em todo o país (contra 3% nos países nórdicos), mas que continuem a ser 9% no século XXI é de deixar os cabelos em pé, sobretudo se pensarmos — o grande mérito da reportagem foi ter revelado essa evidência — que não se trata apenas de analfabetismo da terceira idade rural, como por comodidade tendemos a supor, mas de mulheres e homens nascidos depois do 25 de Abril, e até de adolescentes urbanos. (Da literatura, bolgue de Eduardo Pitta)

A educação infantil fácil de conseguir na vontade que os republicanos manifestaram com a legislação no sentido de serem criados tantos jardins de infância quantos os necessários, revelou-se um objectivo difícil de alcançar.
Apenas em 1977 é publicada a lei 5/77 que cria o sistema público de educação pré-escolar, a lei 6/77 que cria as escolas normais de educadoras de infância, a lei 542/79 de 31 de Dezembro que cria os estatutos dos jardim se infância, o despacho nº 165/77, que cria o ano preliminar ao ensino primário.
Hoje a taxa de cobertura dos jardins de infância está longe de abranger as necessidades que as famílias têm para colocarem os seus filhos, apesar de sabermos que nunca é de mais sublinhar a particular importância que o jardim de infância tem para o desenvolvimento da criança e por esse motivo os investigadores defendem a obrigatoriedade do jardim de infância (Staats).

Esta necessidade já era sentida nessa altura mas os passos que foram dados não a resolveram em 100 anos.
A República teve merecimento nas reformas do ensino primário e do ensino universitário. Mas a história tem ensinado que a vontade de fazer continua a ser um sonho. Se a história se repetisse, diríamos que a par dos projectos grandiosos, a escola tem sido mais vontade do que realidade. Foram precisos 100 anos para chegarmos aos resultados que temos hoje. Isto é, encontramo-nos em muito más condições quando nos comparamos com outros países da Europa.
Vai daí criam-se as “novas oportunidades” e o país passa a ter muito mais gente qualificada (o programa já teve um milhão de adesões ! ), estatisticamente…
Ainda não há jardins de infância para todas as crianças, o abandono precoce continua, os percursos escolares continuam com problemas de repetência e grave insucesso, sem solução à vista…
Continuamos a investir em grande e em força. Veja-se: 100 escolas inauguradas em 5 de Outubro! Mais de mil milhões investidos.
A visão desta história de 100 anos devia tornar-nos mais humildes e concretizadores porque a consolidação educativa é lenta e as reformas são de décadas e em alguns caos de mais de um século.
A evolução da redução do analfabetismo (menos de 1% ao ano) tem sido feita lentamente e ela não depende só e directamente da vontade dos governantes e da sua tradução legislativa.
" A civilização dos lazeres, a civilização da escola, está ainda muito longe de chegar a todos os portugueses. Na situação da nossa economia, prometer «democratização do ensino» e «escola para todos», prometer todas as escolas para todos - do jardim infantil à Universidade da terceira idade - é ainda uma utopia e, pior que isso, é pura demagogia." (Gomes F. 1977 , pag.130).
É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos. Só é moral o desejo acompanhado da severa vontade de prover os meios da sua execução. (Ortega y Gasset).

Gomes, J.F. (1977). A educação infantil em Portugal. Coimbra: Livraria Almedina

Reformas educativas da República

1. A situação educativa em 1910
Quando os republicanos assumiram o poder a realidade era esta, segundo R. Rodrigues, pag. 149 ( dados de 1911): analfabetismo na população com mais de 7 anos - 69,7% ( fem. 77,4%); escolas - 5215 (978 em edifício próprio); ensino profissional: 2 institutos comerciais e industriais; 30 escolas industriais e comerciais; ensino liceal - nº de alunos 8091
F. Gomes aponta dados semelhantes: Havia mais de 700 paróquias (17,5% do total) que não tinham escola primária; - Em 1911, a taxa de analfabetismo global era de 75,1%.
" Seria de pensar que, perante esta dolorosa realidade os homens da I República, a quem não se pode negar idealismo, iriam fazer incidir os seus esforços educativos na escola primária. Aconteceu , porém , que abriram combate em todas as frentes, desde o ensino infantil ao universitário, o que, dadas as precárias condições económicas do país e a instabilidade política... não permitiu alcançar autêntico êxito em nenhum dos sectores".

2. A educação infantil
A criação de jardins de infância constava do Programa do Partido Republicano Português e por Decreto de 2/11/1910, o Governo Provisório determina que " a cerca adjacente ao Palácio das Necessidades, com as suas dependências rurais, passaria a denominar-se Jardim Infantil...".
É publicada legislação diversa sobre a educação infantil:
- Decreto de 29/3/1911, do Ministério do Interior, emanado da Direcção-geral da Instrução Primária, cria o ensino infantil.
Este ensino "é comum aos dois sexos e tem em vista a educação e desenvolvimento integral, físico, moral e intelectual das crianças, desde os quatro aos sete anos de idade, com o fim de lhes dar um começo de hábitos e disposições, nos quais se possa apoiar o ensino regular da escola primária".
" As escolas infantis serão regidas por professoras diplomadas na especialidade pelas escolas normais e abrangem tantas classes quanto as precisa para uma boa administração do ensino". " Anexas às escolas normais ( Lisboa Porto e Coimbra) haverá ao lado de outras instituições auxiliares, uma escola infantil".
- O Decreto de 23/8/1911, aprova o programa das escolas infantis.
Vejamos apenas os objectivos então propostos para o ensino infantil e podemos constatar a sua actualidade:
O ensino infantil tem por objectivo:
a) O desenvolvimento e robustecimento físico das crianças;
b) a educação dos órgãos dos sentidos;
c) O desenvolvimento da habilidade manual
d) a educação e aperfeiçoamento dos órgãos da fala;
e) O desenvolvimento dos sentimentos morais: o sentimento da solidariedade social, o sentimento da disciplina e da ordem, da justiça, da própria dignidade em geral - o sentimento do dever e a consciência do direito;
f) O desenvolvimento da inteligência;
g) Finalmente o desenvolvimento harmónico de todas as faculdades físicas, morais e intelectuais, dando-se às crianças ideias úteis, justas, exactas de tudo o que, sem constrangimento, elas possam compreender e conservar, como auxiliar e preparatório para entrar na escola primária".
Mas o decreto de 29 de Março foi mandado suspender e foi revisto pela Comissão parlamentar de Instrução. A falta de recursos financeiros foi a dificuldade principal na aplicação da lei.
Tem interesse referir que, nesta revisão, é proposta a designação de jardim de infância em substituição de escola infantil. 
Em 2/4/1911, é inaugurado o Jardim-Escola João de Deus em Coimbra
Em 1916, havia 6 escola infantis no Porto (oficiais e 4 jardins escolas João de Deus).

3. Outras medidas educativas na 1ª república
A lei nº 233 de 7 de Julho de 1914 cria as escolas Normais de Lisboa, Porto e Coimbra.
Em 1911, Reforma do ensino primário e do ensino universitário.
Criação das Universidades de Lisboa e Porto
1913 - Criação do Ministério da Instrução Pública
Criada a faculdade de estudos Sociais e de Direito de Lisboa 1918 - Reforma do ensino Técnico e Médio
1919 - Criação da Faculdade de Letras do Porto
- Instituição do ensino primário superior

4. A evolução no domínio da Pedagogia e da Psicologia
Alguns nomes importantes no domínio da psicologia e da pedagogia estiveram de algum modo ligados a esta época. Vamos referir apenas os de António Aurélio da Costa Ferreira, Faria de Vasconcelos, Alves dos Santos.
Foi uma altura em que a psicologia científica ganhava terreno e contribuiu para isso a criação dos Laboratórios de Psicologia anexos às faculdades de Lisboa e Coimbra "como auxiliar indispensável nos estudos phylosóphicos e dos estudos pedagógicos da Escola Normal Superior" (Lei de 9 de Maio de 1911, que organiza os planos de estudos daquelas faculdades).

5. Contexto desta evolução
Por esta altura a psicologia fazia grandes progressos a nível do seu estatuto científico. Igualmente a nível da pedagogia grandes pedagogos se preocuparam com as questões do ensino: Froebel, Claparède, Montessori... Foi o início de uma grande mudança: até aí as instituições tinham objectivos assistenciais (asilos, etc.) e passaram a ter principalmente objectivos educativos.
Froebel cria, em 1840, o 1º jardim de infância que já não tinha características assistenciais mas era uma acção complementar da acção familiar, fortemente educativa, e pretendia um desenvolvimento equilibrado da criança.

Gomes, J.F. (1977). A educação infantil em Portugal. Coimbra: Livraria Almedina