31/12/09

Paz: a obediência voluntária

Desde 1968 que se celebra o dia mundial da paz no dia 1 de Janeiro. Celebramos geralmente o que não temos. Mas temos boas intenções. E é necessário “dar uma hipótese à paz”.
Continuamos a celebrar a paz porque, no tempo presente, há muita gente interessada na guerra.
Os acontecimentos belicistas e anti-democráticos em todo o mundo, mostram aquilo que se repete permanentemente.
A manutenção no poder dos regimes, sejam eles quais forem, de esquerda, de direita, religiosos ou ateus, parece repetir-se utilizando sempre a mesma forma de se fazer obedecer: a força.
Da antiguidade, um bom exemplo vem da Pérsia, actual Irão. O que aprendemos depois de Ciro ? O que há de novo que não esteja já na educação de Ciro ? [1]
Xenofonte, escreve o seguinte diálogo entre Ciro e Cambises, pai de Ciro e rei da Pérsia, sobre a obediência voluntária e sobre a obediência forçada.
“— Não há dúvida, o meio de fazer aceitar essa doutrina (da obediência) é honrar e fazer honrar o homem dócil e castigar rigorosamente o rebelde.
— A obediência à força pode obter-se por esses meios, meu filho. Mas o que se pretende é a obediência voluntária. De modo geral, os homens obedecem sempre de boa vontade àqueles que de qualquer modo se mostram prontos a atender aos seus interesses, conhecendo as suas necessidades bem ou ainda melhor que eles próprios…
…se os homens chegam a desconfiar que da obediência lhes vem macaca, não há castigos nem promessas que os tragam ao relho. Ninguém se deixa tentar por uma receita que se sabe ser funesta ou falaciosa”. (pag. 99).
Sempre foi assim: o poder instalado, pensa que é através da obediência forçada que consegue povos submissos.
Se no tempo de Ciro isso não acontecia, muito menos agora. Proíbem a net, há telemóveis, proíbem os telemóveis há sempre um filme, uma fotografia, uma testemunha, alguém que escapa… há sempre alguém que diz não ao poder da força.
Vivemos no tempo das mil e uma guerras.
Mas tal como na história das mil e uma noites, a história é interminável talvez porque assim nos parece que podemos sobreviver.
E nós havemos de contar a história, mesmo que seja apenas uma forma dilatória, como para Xerazade, porque enquanto há vida há esperança de que os humanos percebam que devem dar uma hipótese à paz.
Talvez que por força de se contar a história, como nas mil e uma noites, o rei tirano desista de atormentar o povo.
Mas atenção! O rei tirano pode estar escondido dentro de cada um de nós. E é por nós que a pacificação deve começar.
Um bom ano, com muita paz!

[1] Tradução de Aquilino Ribeiro, (1952), O Príncipe Perfeito, de Xenofonte, Lisboa: Livraria Bertrand, que tem um interessante prefácio ,“ao pio leitor”, sobre a educação.



24/12/09

«Porque é que que as pessoas gostam (ou não) da história do Menino Jesus»


O Natal remete-nos para a infância e para as memórias da infância.
Faz parte do nosso inconsciente colectivo vivido principalmente no seio da família ou das pessoas mais próximas da nossa família
Contra uma ideia que corre de que as pessoas são consumistas e, normalmente, quando fazemos esta afirmação ela é também uma atribuição porque consumistas são os outros, eu defendo que no Natal faz sentido que se consuma mais do que é habitual, obviamente dentro das possibilidades de cada um.
A essência do Natal passa pelos seus símbolos e o Natal está carregado de simbologia.
O símbolo é um processo mental que representa uma realidade externa por uma imagem.
O Natal é representado por vários símbolos, de que destaco, neste contexto de festa e felicidade: os presentes, a árvore de Natal e a culinária.
Não é possível pensar o Pai Natal ou o Menino Jesus sem pensar nos presentes.
E esta é a única maneira de compreender a situação de festa para as crianças.
Um presente é uma recompensa pelo bom comportamento da criança. Mas ela sabe que o Pai Natal não espera qualquer sentimento de gratidão ao contrário do que acontece com as outras pessoas.
Na árvore de Natal, é também o maravilhoso que está presente. A criança sabe que se trata de uma árvore real mas nenhuma árvore é semelhante àquela. A árvore que vê todos os dias no jardim de repente transforma-se numa árvore vinda do país das maravilhas.
A culinária: O jantar, a ceia de Natal, tem uma dupla componente de abundância e de comida e de reunião familiar em espírito de alegria e felicidade.
Sabemos que o medo das privações físicas e emocionais é algo que de forma inconsciente, corresponde às maiores ansiedades do homem.
A fome é a forma básica do abandono físico e a morte, e também, do abandono emocional.
A criança pequena não compreende a morte e não tem medo da sua morte, mas tem medo da morte dos pais, porque isso corresponde a um abandono permanente.
Um mesa farta combate a ansiedade da criança, tranquiliza-a, porque para além dos pais há muitos outros parentes que o podem cuidar.
O Natal é, assim, o tempo de recordações de felicidade.
João dos Santos fala-nos da recordação encobridora: “Um acontecimento cristalizado num bonito quadro. A árvore de Natal é prenhe de frutos radiosos, apetecíveis e em geral intocáveis, porque apenas celebram um nascimento e anunciam os presentes”
A ideia de recordação encobridora remonta às memórias esquecidas, que se originaram com o objectivo de deslocar ou substituir uma lembrança dolorosa por outra mais tolerável e feliz.
É esse o quadro captado pelos poetas, cheio de nostalgia de uma infância feliz ou talvez não, como nos relata Fernando Pessoa.


Natal

Natal…na província neva
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
Estou só e sonho saudade

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei !

Fernando Pessoa (Cancioneiro)



(Bettelheim, B. (1994), Bons Pais - o sucesso na educação dos filhos, 2ª Ed. Venda Nova: Bertrand Editora ; Piaget, J. (1975), A formação do símbolo na criança, 2ª Ed, Rio de Janeiro: Zahar Editores; Santos, J. «Porque é que as pessoas gostam (ou não) da história do Menino Jesus», Jornal da Educação).

16/12/09

O Zé perpétuo


A lei nº 46/2005, limitou os mandatos dos autarcas a três mandatos .
O diploma foi apresentado pelo PS e foi aprovado por uma maioria de dois terços, em Julho de 2005 pelo Parlamento. O PCP foi o único partido que votou contra, O CDS/PP e o Partido Ecologista «Os Verdes» abstiveram-se.
O presidente da República de então, Jorge Sampaio, promulgou a lei em Agosto de 2005, tendo a mesma entrado em vigor a 1 de Janeiro de 2006.
As consequências práticas vão ter efeito nas eleições autárquicas de 2013, isto é, os presidentes de Câmara Municipal e da Junta de Freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, «salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo», pelo que poderão ser eleitos para mais um mandato.
Foi o que aconteceu nas eleições deste ano.
Na prática significa que são 12 anos de permanência no poder autárquico, em 2013, com a excepção referida.
Poderíamos pensar e esperar que a transição se faria com alguma turbulência mesmo que com a indicação dos delfins para preencherem os lugares.
Para alguns politólogos os aparelhos políticos irão «antecipar» a saída de cena de diversos candidatos autárquicas nas eleições de 2013. «O poder a nível autárquico aponta muitas vezes para mecanismos de sucessão dos presidentes, e as forças políticas procurarão encontrar novos candidatos próximos daqueles que sairão do poder».[1]
Por outro lado, o sistema político português está «muito envelhecido», motivo pelo qual diversos presidentes da Câmara, «verdadeiros caciques locais», contestam a aplicação do diploma que restringe o número de mandatos. [2]
O jornal “Sol” desta semana traz uma notícia que, a concretizar-se, mostra bem o país que alguns querem: os autarcas movimentam-se contra a limitação dos mandatos, insurgindo-se contra a lei e propondo um referendo.
Eu já desconfiava e comentava com os amigos: vais ver se não alteram a lei antes das eleições de 2013...
Bem dito, bem feito… Aí estão eles a caminho da manutenção no poder para sempre. Para sempre ou até caírem da tripeça.
Na cidade onde estudava, antes do 25 de Abril, no tempo do fascismo, ou da outra senhora, o sr. presidente da câmara era conhecido pelo "Zé perpétuo".
Mas isso era antes do 25 de Abril.
Agora, que vivemos em democracia, estamos cansados de ouvir dizer que já não há empregos para sempre. Isto é verdade para qualquer mortal, excepto para os autarcas, a confirmar-se que conseguem alterar a lei, que esses, sim, vão ter emprego para sempre.

[1] António Costa Pinto(Lusa/Sol)[2] José Adelino Maltez (Lusa/Sol)

11/12/09

NEE - 1,8%

(L. Capucha - Encontro temático Educação Especial - Escola Inclusiva e Educação Especial, DGIDC - 7 /Junho/2008)

Luís de Miranda Correia (Revista "2 Pontos", n.º 10, Outubro 2009, p. 41 - ver Incluso) refere os erros do anterior ME no que diz respeito à Educação Especial.
1º erro: O ME afirma que o número de alunos com NEE é de 1,8% da população estundantil total. Por pura ignorância ou, quem sabe, por razões economicistas, desconsiderou a maioria desses alunos. Este é um facto irrefutável, embora só se possa comprovar quando o ME resolver fazer estudos de prevalência fidedignos ou os encomende às universidades.

Já fizemos várias referências a esse aspecto. Vejamos como o ME respondia (Ver http://www.min-edu.pt/outerFrame.jsp?link=http%3A//www.dgidc.min-edu.pt/)

Questão 15
Para que fins deve ser tida em conta a taxa 1,8% de prevalência das necessidades educativas especiais de carácter permanente?
Resposta 15
O valor de 1,8% para a taxa de prevalência não resulta de uma verificação empírica, mas de uma projecção de variáveis destinada a construir uma referência cientificamente sustentada da proporção esperada de alunos, relativamente à população escolar na faixa etária que abrange o pré-escolar e os ensinos básico e secundário, que apresenta necessidades educativas especiais de carácter permanente requerendo, por isso, apoios especializados previstos no DL 3/2008.
O valor 1,8% a utilizar para efeitos de organização do sistema não se refere à incidência do fenómeno. Neste sentido, a utilização deste valor de referência verifica-se em “situações tipo”, e não em situações de concentração de alunos, como acontece nos casos de escolas de referência ou com unidades especializadas. Por outro lado, não é a taxa em si mesma, mas a adopção dos procedimentos de diagnóstico que estão disponíveis, que realmente importa. Por outras palavras, não se pretende usar aquele valor como nenhuma espécie de “tecto”, sendo dever do sistema olhar os alunos caso a caso. O valor de referência apenas deverá permitir análises mais finas quando as prevalências se afastem desse valor.
A elegibilidade para medidas de educação especial pressupõe, sempre, um processo de índole pedagógica e não estatística, assente numa avaliação rigorosa do perfil de funcionalidade do aluno que permita identificar as respostas educativas que melhor se adequam às necessidades educativas especiais evidenciadas.

Afinal, o processo é de índole pedagógica ou estatística ?




09/12/09

Verdade

Aquecimento global ? Hoje ouvi outra versão na RTP, finalmente. Não sei se foi a primeira vez que isso aconteceu. Mas cada dia se torna mais audível o silêncio de outras opiniões.
Ver, p.ex. , aqui, aqui ou aqui.
A opinião plural também dá um bom ambiente.

02/12/09

Shakira e o jardim de infância


Durante a cimeira ibero-americana, a cantora Shakira apelou aos países ibero-americanos para que dêem atenção aos cerca de 35 milhões de crianças na América Latina que não recebem qualquer tipo de educação escolar. E deixou o apelo à mobilização de todos para que se garanta a educação das crianças na América Latina antes dos seis anos.
Toda a infância, e em particular as idades dos 0 aos 6 anos, é considerada um período crítico para o desenvolvimento.
O currículo do jardim de infância [1] tem como pano de fundo a actividade da criança que proporciona a experiência física da natureza, do meio que a rodeia e que ela vai explorar no maior número possível de situações. Quando começa a linguagem e os porquês, aprende o nome das coisas, o que elas são e depois compreende a origem dessas coisas.
No dia 27 de Agosto foi promulgada a Lei nº 85 /2009, da Assembleia da República.
Esta lei contempla a universalização da educação pré-escolar aos 5 anos de idade, a partir do ano lectivo 2010/2011.
Por outro lado, a escolaridade básica será prolongada até aos 18 anos ou até final do ensino secundário, ou seja, a educação, no nosso país, abrangerá as idades entre os 5 e os 18 anos.
Parece-me que não há ninguém que discorde destas medidas. Desde há muito que se preconizavam e também temos defendido o alargamento da educação no jardim de infância a partir dos 3 anos de idade.
Se queremos que a criança se desenvolva pessoal e socialmente;
Se queremos promover a igualdade de oportunidades;
O desenvolvimento da expressão e comunicação;
O desenvolvimento da curiosidade e o pensamento crítico;
Fazer o despiste de deficiências e perturbações comportamentais;
Prevenir futuras dificuldades nas aprendizagens;
Então, a melhor forma de o conseguirmos é fazer com que todas as crianças frequentem o jardim infância.
É, por isso, que o jardim de infância é uma necessidade e deveria ser um direito para todas as crianças.
A medida peca por atrasada e por ser muito limitada dado que, conforme o próprio parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) refere, “na maioria dos países da UE a preocupação com a oferta de educação de infância tem vindo a recuar na idade reconhecendo-se, hoje, quer a partir de estudos neurológicos e psicológicos, quer de natureza sociológica, a importância do desenvolvimento infantil a partir dos zero anos”.
“Revela -se uma tendência generalizada para uma total cobertura da faixa etária dos 3 aos 6 anos de idade, procurando que todas as crianças tenham, pelo menos, dois anos de experiência pré -escolar antes da entrada na escolaridade obrigatória.
Por outro lado, deve haver “alargamento progressivo dos serviços destinados às crianças dos 0 aos 3 anos de idade, de acordo com as necessidades das famílias que trabalham, aliado à promoção de mais amplas licenças de maternidade e paternidade e, simultaneamente, à garantia da qualidade educativa das estruturas de atendimento”.
Esta medida é, portanto, muito positiva. Tal como o apelo de Shakira esta é, também, outra música para os nossos ouvidos.

[1] Hohmann, M., Barret, B. e Weikart, D. (1992), A criança em acção, 3ªEd., Lisboa: Fundação Kalouste Gulbenkian.