28/08/09

As listas

  
Junho de 1871.
“Lentamente a lista da maioria vai-se formando em Lisboa: os pretendentes são numerosos, intriga-se, pede-se, alcançam-se cartas, mente-se, lisonjeia-se, adula-se. Os amigos íntimos agitam-se em volta do ministro, como um bando de pardais em torno de um saco de espigas. Um tem um primo que casou; outro sabe de um folhetinista que tem talento e a língua fácil; outro quer um cunhado; outro tinha um homem a que deve uns centos de mil reis, mas dispensa a candidatura para esse ladrão se o ministro fizer esse ladrão recebedor de comarca. Depois os círculos não são prometidos fixamente: os candidatos são mudados como figuras de um jogo de xadrez. A um a que se prometeu o círculo A, dá-se o governo civil de B – como indemnização. Tira-se a C a candidatura prometida porque se descobre que C é um traidor, pertence à oposição. Mas dá-se a E que foi quem denunciou C. Às vezes é um influente pelo círculo X, que, em paga da sua influência, pede que seu genro venha pelo círculo Z, onde é proprietário.
- Mas o círculo Z está prometido a Fulano, que é um professor distinto, um publicista. Seu genro tem pelo menos algum curso ?
- Meu genro não tem curso nenhum - mas eu tenho influência. O jornal da localidade já provou que ele era um animal – meu genro espancou a direcção. “

Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, (2004), As Farpas – Crónica mensal da política, das letras e dos costumes, PRINCIPIA, Publicações Universitárias e Científicas, pag. 58.

24/08/09

Que mil Santana Lopes floresçam...

Para uma Lisboa com Sentido, continua a fazer sentido o que o Prof. Amaral Dias escreveu:
“A nosso ver, os protagonistas, sendo raros, não deixarão de ser exemplares. Santana Lopes é indiscutivelmente um deles. Mas, sobretudo, pelo seu carácter antifóbico, visível na capacidade para o risco, o que o torna mais apto às decisões criativas e inovadoras. Essa capacidade numa Lisboa sempre sequiosa de ser como o mar ali vizinho, sempre igual e sempre diferente, desde que balizada, poderá oferecer para os mais chocantes problemas (toxicodependência, Sida, violência social, políticas para os sem-abrigo, etc.) soluções verdadeiramente desburocratizadas, inovadoras e criativas, com o mesmo afinco para o que poderão parecer problemas menos chocantes, nomeadamente culturalizar, no sentido verdadeiramente popular, a cidade. A subjacência de Eros, que faz a filigrana do seu discurso, deve ofuscar sadiamente o cinzentismo que faz a política nacional, da qual utilizei deliberadamente na primeira parte do texto, o que pode parecer paradoxal mas não é, um dos mais inteligentes políticos portugueses da actualidade.
Mas o que o Portugal de hoje precisa é que «mil Santana Lopes vindos de todos os quadrantes floresçam» para que a diferença mil vezes floresça.”[1]

[1] “Ó Lopes empresta o lápis…” in Carlos Amaral Dias (2003), Um psicanalista no Expresso do Ocidente, Temas e Debates – Actividades Editoriais, Lda , pags 198-200.

11/08/09

Camisola 9


Toda a nossa vida é comunicação. Sabemos que não é fácil comunicar mas também sabemos que não é possível não comunicar.
Porque quando não comunicamos através da linguagem verbal, comunicamos através da linguagem corporal sendo o nosso corpo a manifestar os sintomas do que está bem ou mal connosco, ou comunicamos através do silêncio ou através dos sinais e dos sintomas que manifestamos. A comunicação é tudo o que ocorre entre as pessoas, em suma, nas transacções entre as pessoas.
A transacção é a unidade de acção social, que envolve um estímulo e uma resposta.
É como comunicamos uns com os outros, é o relacionamento interpessoal.
Mas as transacções são influenciadas pelos papéis que desempenhamos no teatro da vida, como refere Shakespeare:
"O mundo é um palco
e todos os homens e mulheres apenas actores;
Eles têm as suas saídas e entradas
Cada homem no seu tempo representa muitos papéis
" .
Sem querermos ou sem sabermos, estamos, através da comunicação, a transmitir scripts ou guiões aos nossos filhos.
Neste palco que é a vida cada um de nós tem um guião psicológico, um roteiro de telenovela, ou um argumento teatral.
O drama da vida começa ao nascer.
As instruções do guião são programadas dentro da criança por meio das transacções com as figuras parentais.
À medida que crescemos, aprendemos a desempenhar papéis: Heróis ou heroínas, vítimas ou justiceiros. E procuramos que outros façam os outros papéis do guião.
Há guiões para os indivíduos, para as famílias e para os países.
Cada indivíduo tem o seu próprio guião que por seu lado tem elementos do guião cultural e familiar.
O guião cultural é responsável pela exploração económica, pelas guerras civis, pelos suicídios, homicídios, superpopulação, alteração do equilíbrio ecológico.
Há ainda guiões subculturais que têm a ver com o local geográfico, antecedentes étnicos, crenças religiosas, sexo, educação, idades…
Todos os dias na comunicação social assistimos, infelizmente em muitos casos, à concretização destes guiões culturais e subculturais.
Os guiões familiares, por seu lado, perpetuam os guiões culturais: O filho que é a ovelha negra da família, viver de subsídios, pais que não cuidam dos filhos e filhos que não cuidam dos pais.
Ou, pelo contrário, o filho que é o camisola 9 do Real Madrid.
Este guião individual é, relativamente ao êxito, o de um vencedor.
Dado que assume riscos, certamente calculados, se compromete a atingir as metas a que se propõe.
Socialmente os vencedores são pessoas firmes nas suas decisões, confiáveis, lutam pelos seus objectivos com tenacidade.
"Cumpri o meu sonho de menino", isto é, cumpri o guião de vencedor.
A camisola 9 é um guião que alguns gostam de mostrar, publicamente, porque se identificam com esse guião. Porém, não é o seu próprio guião.
Poucas pessoas são totalmente vencedoras ou perdedoras sendo que a maioria dos indivíduos triunfa em alguns aspectos e perde em outros.
Mas em grande parte ser vencedor depende da comunicação, das transacções, que na nossa infância tivemos com os nossos pais. Se o guião for de vencedor então podemos cumprir o nosso sonho de meninos.

01/08/09

Mentir, mentir, mentir…

Ao longo da nossa vida temos encontrado pessoas que mentem.
Algumas mentem por algum constrangimento ou medo.
Algumas não o fazem com grande frequência e também não prejudicam ninguém.
Muitas vezes acontece com familiares e amigos e também aí não temos grandes problemas.
Mas às vezes, encontramos pessoas que mentem constantemente. Pessoas que mentem de forma compulsiva e não têm uma razão aparente para fazê-lo, são conhecidas como mentirosos patológicos.
Será que para se ser político tem que se ser mentiroso ? Um político que fale verdade poderá alguma vez ganhar eleições ?
Não somos nós que gostamos que nos enganem ? E votamos exactamente em quem nos engana ?
Às vezes por detrás de qualquer mentira, há uma intensa necessidade de ser aceite e amado. Veja-se o caso da mentira amorosa em que se promete tudo ao amado ou à amada só porque se tem necessidade de afecto.
Chegamos mesmo a enganar o espelho e fazemos uma plástica para que, não aprovando o que vemos, nos possamos sentir admirados.
Mas muitos mentirosos, patológicos, não ficam contentes apenas em dizer mentiras. Eles vão um pouco mais além. Transformam as suas vidas numa mentira.
Chega a haver situações, em que o indivíduo adopta uma identidade completamente diferente daquela que realmente possui.
Um terço dos mentirosos patológicos adopta identidades falsas, mentem sobre a idade, mentem sobre a sua profissão, sobre os seus familiares fingindo que descendem de famílias importantes.
Os mentirosos patológicos são as pessoas mais atraentes que podemos conhecer.
São especialistas no engano e na fraude e não demonstram emoções ou ficam perturbados quando mentem.
Mas quais são as origens da mentira ? O que leva as pessoas a mentir ?
Tudo começa na nossa infância. Pode acontecer que essas pessoas ficaram com receio de serem abandonadas pelos pais, muitas vezes instáveis.
Podem ser pessoas que passaram por situações de abuso em que foram envergonhadas e submetidas a vexames muito grandes.
Muitas delas, começaram a mentir como forma de se protegerem das ameaças e da culpa.
Por outro lado, a mentira é aprendida. E se é aprendida, é aprendida com alguém. Desde logo, esse tipo de mentirosos nasce e cresce em famílias onde são vítimas de uma infinidade de decepções, mentiras e fraudes.
A modelagem a que ficam sujeitos vai modificar os seus comportamentos. Para lidar com a realidade dura da sua vida, começaram a utilizar um mundo mágico de fantasias, ou seja, um mundo de negações.
Outros mentirosos cresceram com uma auto-imagem miserável e a mentira é uma forma de fortalecerem a sua auto-imagem contando histórias grandiosas que servem como compensação para as suas dificuldades.
E temos muitas vezes, na criança, o mitómano, e nos adultos, o impostor que se faz passar por quem não é e por aquilo que nunca foi.
A mentira é um comportamento autodestrutivo porque, ao mentir, o sujeito nega-se a enfrentar as suas dificuldades e assim, vai perpetuá-las.
Além disso, a verdade vem sempre ao de cima, mesmo que isso leve muito tempo a acontecer.
Mas acontece. Pelo menos vai ser verdade para o próprio mentiroso.