29/05/09

A verdade da mentira

    
Grande parte da nossa vida anda à volta desta questão: a verdade da mentira.
Saber quem nos engana e quem nos quer enganar é hoje quase uma tarefa de sobrevivência.
A mentira faz parte do desenvolvimento da criança, a mentira infantil ou seja a mentira depende do desenvolvimento da criança.
Assim sendo, podem as crianças dizer a verdade, podem ser testemunhas num processo judicial ?
Colocar esta dúvida é, em si, já algum progresso porque nem sempre foi assim, isto é, a questão nem sequer se punha.
Houve tempos em que pura e simplesmente o testemunho da criança não tinha qualquer valor.
Hoje sabemos que os adultos não mentem menos do que as crianças. Com uma diferença: é que a mentira dos adultos costuma ser mais perigosa.
Na escala de inteligência WISC, uma das perguntas de avaliação da compreensão da criança e dos adolescentes é a seguinte: porque se deve manter uma promessa feita? Normalmente, só os alunos mais velhos são capazes de responder.
Mas é difícil saber porque devemos cumprir uma promessa feita.
Honrar a palavra é uma das respostas possíveis.
Mas é exactamente aqui que nós temos sido enganados.
Estamos em campanha eleitoral e nestas como em outras campanhas anteriores temos então pessoas importantes que são aquelas pessoas que nos pedem para votarmos nelas que nos prometem muitas coisas. Basicamente, que tudo vai ser melhor.
Porque se deve então manter uma promessa feita ?
Outra questão é: porque é que há deputados na assembleia da república ?
Poucos alunos respondem a este item da compreensão; não fazem a menor ideia do que é isso.
A formação cívica fica assim cada vez mais no plano teórico. Por outro lado, a modelagem que se faz só pode ser negativa.
Em geral, os deputados, os políticos que nos governam são modelos errados.
É por isso que a credibilidade das instituições políticas anda pelas ruas da amargura.
Mudam de partido conforme as probabilidades de ser eleito e o que é mais interessante, ou melhor, preocupante, é que é sempre melhor aquele partido onde actualmente se encontram. Os partidos para essas pessoas são instrumentais e os fins, que é manterem-se no poder, justificam os meios.
A ideia de que só não mudam os burros é verdadeira mas também se requer alguma coerência. Não se pode defender, hoje, a estatização e, amanhã, defender a concorrência e o mercado, e isto tudo com a maior das canduras.
Será também por isso que as crianças não aprendem por que é que se deve manter uma promessa.
Eu próprio também não sei o que posso dizer. Talvez esteja como as crianças. Fico-me pelo fazer como Frei Tomás, faz o que ele diz mas não faças o que ele faz ou talvez seja melhor ficar calado e não ter resposta para as perguntas: porque devemos manter uma promessa feita ou porque temos deputados na assembleia da república.
A verdade da mentira é hoje tarefa de reflexão dos cidadãos: a reprise está novamente em movimento e, sendo assim, só acredita na mentira quem gosta de ser enganado.
     

26/05/09

Preparar a reforma

Uma das consequências da gestão de recursos humanos da actual politica e em particular do Ministério da Educação foi ter atirado para a reforma muitos professores que ainda estavam capazes de poderem dar o seu contributo na educação da juventude deste país.
Um dos cartazes da manifestação dos 100 mil que vieram para a rua gritar que mais me chocou foi aquele que dizia: “não nos tratem como lixo”.
Precisamos de trabalhar com competência, de dormir, de não termos insónia, de não entrarmos em depressão, de sermos felizes, de termos bom humor, em casa, junto dos filhos e de irmos para a reforma descansados. Precisamos, se possível, que nos deixem morrer em paz.
Entretanto, muitos estão a abandonar ou estão, decididamente, a procurar a reforma de uma forma abrupta e uma mudança de vida de forma radical.
Mas será que esta mudança está a ser feita da melhor maneira?
Não deveria haver alguma forma de preparação para a reforma de modo a não mudar de uma forma radical de uma situação para outra?
Não será angelical, nestes tempos difíceis, sugerir esta coisa sofisticada de preparação para a reforma?
Quando nos reformamos não é a vida que se acaba mas, dizem, o início de uma nova vida, às vezes para melhor outras vezes para pior...
A preparação para a reforma deverá ter em conta que se deve pensar nesta mudança e na adaptação das pessoas a esta nova fase da vida. Assim, será possível, com tempo, encontrar novos caminhos, estudar alternativas e sonhar com essa nova vida.
A preparação para a reforma incide muitas vezes apenas no aspecto financeiro e preparar a reforma tem a ver com segurança financeira, económica e com seguros de saúde…
Mesmo a este nível, segundo um estudo da Fidelity Internacional, os portugueses e os franceses são os europeus mais atrasados na preparação da reforma. De acordo com os dados divulgados nesta análise, dos 57% portugueses inquiridos que ainda não começou a preparar a reforma, 31% conta ainda fazê-lo, enquanto 26% não pensa começar a tratar disso.[1]
Mas os aspectos psicológicos e sociais e, de uma maneira geral, os aspectos do desenvolvimento devem igualmente ser relevantes.
Como sabemos há aprendizagem e desenvolvimento ao longo de toda a vida.
Erikson definiu estádios de desenvolvimento para toda a vida. Assim, a partir dos 30 anos de idade, é uma fase de afirmação pessoal no mundo do trabalho e da família. A vertente negativa leva o indivíduo à estagnação nos compromissos sociais, à falta de relações exteriores, à centralização em si próprio.
A partir dos sessenta anos é o estádio da integração e compreensão do passado vivido. È preciso saber como não cair no desespero.
O preconceito em relação à velhice deve ser desconstruído. Para isso, a actividade, a utilização das nossas capacidades devem ser postas ao serviço da luta contra a exclusão, o afastamento a solidão…
Para quem passou toda a sua vida profissional a integrar os jovens não seria descabido que os jovens, principalmente aqueles que nos governam, não excluíssem os seus maiores da vida activa cedo de mais e sem qualquer preparação.

[1] Contudo, mais de um terço dos portugueses (36%) já começou a preparar a reforma, valor que representa uma subida de 11 pontos percentuais face a 2006.
O mesmo estudo revela que 42% da população afirma estar informado sobre a preparação da reforma, quando em 2006 o valor era apenas de 36%.
O estudo sobre a preparação para a reforma foi realizado para a Fidelity pela consultora TNS na Suíça, Holanda, Alemanha, Áustria, Suécia, França, Itália e Portugal, entre Novembro e Dezembro de 2007, e foram entrevistadas 4104 pessoas entre a população activa com mais de 18 anos.

24/05/09

Talentos e cifrões

Numa das crónicas recentes falámos da necessidade de responsabilização de todos os que estão na educação, a propósito de um abaixo assinado em que se pediam penalizações para as famílias dos alunos com comportamentos problemáticos.
Com a mesma força com que condenámos os alunos e as famílias dos alunos que usam a violência contra outros alunos e professores temos de o fazer com os professores e outros profissionais que também eles podem ter comportamentos desajustados.
Um professor não tem que ser uma pessoa virtuosa mas há-os que realmente são tudo o que não queremos para educar os nossos filhos. E no estado actual da nossa cultura democrática e educativa, não podemos pensar que tudo funciona bem, mas há alguns padrões de comportamento, atitudes, métodos pedagógicos e níveis de desenvolvimento moral que devem ser exigidos.
O caso da professora de história que dá “lições” de sexualidade numa escola de Espinho, é a prova de que a formação académica não ensina o essencial para educar crianças e adolescentes.
Situações deste tipo alertam para que não basta legislar para que haja educação sexual e formação cívica na escola.
Os interventores na escola designadamente os pais e encarregados de educação têm que andar atentos ao que se passa na escola.
A escola estatal ou privada tem que estar sob o escrutínio democrático dos pais e dos outros interventores da comunidade que, aliás, estão representados no conselho geral e em outros órgãos de gestão da escola.
É necessário preocuparmo-nos com a qualidade do ensino com o sucesso e a qualidade do sucesso.
À conta de querermos levar o ensino a todos os alunos não podemos esquecer que cada um deve ser capaz de desenvolver as suas capacidades.
Na bênção das pastas dos finalistas que estiveram no Campo Grande em Lisboa, foi lida a parábola dos talentos. Parece-me que esta parábola faz sentido para cristãos e não cristãos.
Para que servirá termos capacidades se elas ficam por desenvolver. Atirar capacidades para o lixo é aquilo que estamos a fazer com alguns alunos. Porque o sistema é facilitista (não sei se posso dizer…), porque o sistema relevando medidas mais vistosas continua a não se preocupar com os problemas centrais da educação.
Basta de encenações com alunos verdadeiros ou falsos, basta de se servirem da escola para a propaganda partidária, basta de resultados estatísticos para inglês ver...
Podemos encontrar homens como procurava o cínico Diógenes que não sejam subservientes ao poder seja ele qual for ?
Confunde-se delação com não suportar imposições ou pressões ilegítimas vindas do poder, confunde-se recusa de obediência ao chefe com falta de carácter.
Por isso Diógenes não encontrava um homem.
E milhares de anos depois, a luz clara da justiça e da dignidade continua a ter dificuldade em romper o nevoeiro. Onde estão os homens no caso casa pia, no caso freeport, no caso conegil, no caso apito dourado, no caso bpn, no caso bpp, etc?
Porém, tudo isto é efémero e o que vai ficar é o que formos capazes de construir, cada um ao nível dos talentos que desenvolveu, porque é tão importante o trabalho do homem que limpa a minha rua como a do médico que me assiste no hospital desde que o faça com dignidade, com mais talento e com menos cifrões.

14/05/09

O cyberbullying e os adolescentes

               
É uma evidência que os adolescentes utilizam as novas tecnologias da informação, principalmente o telemóvel.
Mas será que os adolescentes também utilizam as novas tecnologias para praticar cyberbullying ?
O cyberbullying consiste, entre outros aspectos, em utilizar o e-mail e o telemóvel para enviar mensagens ofensivas e intimidar os colegas.
Os pais passaram a ter mais uma preocupação com os filhos embora muitas vezes não tenham consciência disso, porque também nestes casos e nesta idade os pais não são as pessoas mais requisitadas para os adolescentes contarem os seus problemas…
Num estudo recente [1] com alunos do básico e secundário com vista a determinar se utilizam o telemóvel e o e-mail para intimidar e em que medida o fazem, foi posto em evidência que os alunos do básico e secundário utilizam as tecnologias da informação (telemóvel, e-mail, etc.) para praticar cyberbullying.
Esta prática ocorre, mais frequentemente, no sexo feminino: 45% admite já ter enviado mensagens ofensivas; enquanto que, para o sexo masculino, é de 35%, ao contrário do bullying que é, mais frequente, no sexo masculino.
Os sentimentos envolvidos na prática de cyberbullying são a raiva, sendo mais relevante, no sexo feminino, 38% refere sentir raiva no envio de mensagens ofensivas, enquanto que para o sexo masculino, é de 16%.
O desprezo, a alegria e a tristeza são também sentimentos, muito presentes, na prática de cyberbullying.
O telemóvel é o meio mais utilizado (variando entre 74% e 85%) para praticar cyberbullying.
O envio de mensagens é feito, quase sempre, individualmente, com percentagens, em média, a rondar os 70%.
As raparigas são as principais vítimas do cyberbullying, apenas 33% referiu que nunca recebeu qualquer mensagem ofensiva.
A raiva e a indiferença são os sentimentos dominantes em quem é vítima de cyberbullying.
Os amigos são os melhores confidentes para quem sofre de cyberbullying independentemente do género ou nível de escolaridade mas é o sexo masculino que mais confia nos amigos (87%); apenas 4% admite informar os Pais/Encarregados de Educação, enquanto que para o sexo feminino 29% admite contar aos Pais/Encarregados de Educação.
Pode-se concluir, assim, que a maioria das vítimas de cyberbullying não informa nem procura os adultos (Li, 2005); os pais, raramente, tomam conhecimento e os professores nunca são informados.
Os problemas de cyberbullying têm aumentado, drasticamente, nos últimos tempos, sem dúvida, devido à massificação das novas tecnologias.
Não devemos nem podemos ficar indiferentes à forma como as novas tecnologias são utilizadas, uma vez que a sua utilização indevida tem consequências negativas para o desenvolvimento social dos adolescentes e perturba o clima relacional na escola, na turma e nos grupos sociais em que estão inseridos.

[1] Beirão, Maria do Céu & Martins, Maria José D. - Cyberbullying e emoções na adolescência - Escola Secundária Mouzinho da Silveira & Escola Superior de Educação de Portalegre.
                            

Escola sem tempo inteiro

Por vezes a escola concretiza actividades que levam a sair da escola como acontece numa actividade do tipo jogo de pista, foto paper, etc. Pode ser uma manhã sem aulas mas uma manhã onde se fazem importantes aprendizagens. Uma actividade extracurricular que envolve para além dos alunos, a comunidade escolar, e se desenrola no espaço urbano.
Um contacto directo com a história e com a cultura da cidade é talvez mais importante do que ter ficado na escola. Fazem-se aprendizagens e revelam-se défices dos alunos do ponto de vista da interacção social e cultural.
Claro que estas actividades levantam muitos problemas pedagógicos e de organização.
Carl Honoré, escreveu um livro que ainda não tem tradução em português mas que podemos traduzir por “Sob pressão” [1]. Refere que durante gerações, crescer foi uma tarefa fácil: íamos à escola umas horas por dia, praticávamos desporto e tínhamos alguma ligação a um clube ou a uma instituição cultural ou religiosa, e o resto do tempo brincávamos ou sonhávamos acordados.
Não sou tão pessimista como Carl Honoré que diz que o nosso enfoque moderno da infância é um fracasso: os nossos filhos estão mais obesos, míopes, mais deprimidos e mais medicados do que qualquer geração anterior.
Mas é fácil concordar que " temos que desligar todos os aparelhos e dizer às criança que saiam para brincar”.
De facto as nossas associações desportivas e culturais deviam estar cheias de crianças e jovens a participarem em actividades próprias para a sua idade.
Não só para virem a ser grandes campeões, participantes nos jogos olímpicos e nem sequer para os desviarem dos caminhos errados …mas para terem um vida saudável e positiva e aprenderem a cultura do seu e dos outros povos.
“Sob pressão”, tem a ver com a cultura que criámos, uma cultura do perfeccionismo. Esperamos que tudo seja perfeito: os nossos clientes, os nossos corpos, as nossas férias, a nossa lua de mel, os nossos filhos…
Hoje estamos acelerando o desenvolvimento das nossas crianças: academicamente, expondo-as aos meios de comunicação adultos; vendo-as como consumidores; carregando-as com rotinas desnecessárias.
Mas, por outro lado, estamos a infantilizá-las superprotegendo-as e nunca lhes dizendo 'não'.
Para Honoré, a multitarefa é um mito. As crianças de hoje contam com uma grande quantidade de conhecimentos tecnológicos úteis mas não é verdade que o cérebro humano esteja preparado para esta multiplicidade de tarefas, numa sequência de diferentes actividades durante o dia.
A alternância das tarefas redunda num uso muito ineficiente do tempo e da energia do cérebro.
Ser mãe ou pai é uma viagem; é o descobrimento, por tentativa e erro, do tipo de pais que somos ou queremos ser. Não se trata de começar com uma ideia fixa do pai perfeito e fazer tudo o que esteja à altura desse ideal. Temos que ter tempo, espaço e liberdade para explorar o mundo com as crianças.
As duas tarefas mais difíceis da educação são saber ligar-se quando os filhos são pequenos e depois saber desligar-se quando precisam de trilhar os caminhos da autonomia.
Ao contrário do que alguns possam pensar nunca como hoje foi tão difícil ser criança, tão difícil educar uma criança e o melhor caminho educativo não é mantê-las sob pressão.

[1] Entrevista de Horacio Bilbao, de Clarin.com a Carl Honoré.